quinta-feira, 3 de julho de 2014

A Rosa Branca. Conservadores contra o nazismo. A história dos estudantes alemães que desafiaram o nazismo. Inge Scholl. «Enquanto o fascismo alemão dizia respeito a mudanças sociais bruscas, por meio do emprego sistemático da violência política, o conservadorismo esboçado pela Rosa Branca relacionava-se à resistência não-violenta, temperança e prudência»

Cortesia de wikipedia

NOTA: Obra publicada inicialmente nos anos 50, A Rosa Branca apresenta uma fonte de resistência ao nazismo vinda da direita

«Embora proliferem as análises que procuram dar conta do fenómeno nazista, um ponto sensível e comparativamente ainda pouco explorado é o estudo dos grupos que conseguiram articular algum tipo de resistência política nos limites daquelas circunstâncias históricas. Neste sentido, foi com felicidade que li A Rosa Branca. Em Fevereiro de 1943, foram executados pelo regime nazista os irmãos Hans (1918-1943) e Sophie Scholl (1921-1943). Além deles, o amigo e companheiro político Christoph Probst (1919-43). Após dois meses, seguiu-se a execução de Alexander Schmorell (1917-1943), Willi Graf (1918-1943) e Kurt Huber (1893-1943), igualmente membros do mesmo grupo de resistência: A Rosa Branca. Todos eles se conheceram na Universidade de Munique e, em comum, acreditavam na urgência moral de articular algum tipo de oposição ao regime nacional-socialista. Hans Scholl, Christoph Probst, Alexander Schmorell e Willi Graf eram estudantes de medicina. Sophie Scholl era estudante de biologia e filosofia. Kurt Huber era professor de filosofia. O livro escrito por Inge Scholl, e sua primeira edição publicada no início dos anos 1950. Compreensivelmente o tom do seu argumento é algo laudatório; uma vez que fora escrito por alguém que acabara de observar a execução injusta dos dois irmãos, por parte do regime nazista. Além de sua análise (recordação e homenagem), há os seis panfletos escritos pelos integrantes da Rosa Branca. Consta ainda no livro uma antologia de depoimentos de pessoas que tiveram algum tipo de interação com o grupo e, também no que diz respeito à documentação histórica, estão presentes as sentenças judiciais dirigidas a cada um dos membros da Rosa Branca. Completam o livro um discurso do romancista Thomas Mann (no qual ele faz uma significativa elogia às acções do grupo) e um esboço daquele que teria sido o sétimo panfleto a ser escrito contra o regime nazista.
Alguns aspectos da história contada por Inge Scholl são particularmente reveladores do contexto político e cultural daquele período. Por exemplo, quando ocorrera a condenação formal dos envolvidos com as acções da Rosa Branca, a reacção da imprensa da época foi basicamente monolítica e explicitamente hostil aos envolvidos. Os membros do grupo foram classificados como individualistas irresponsáveis, que, ao agirem politicamente daquele modo, estavam se excluindo automaticamente da Comunidade do Povo. No fim das contas, o mais interessante do livro não são os pormenores históricos contados por Inge Scholl. A narrativa ganha peso, e mesmo densidade espiritual, com a descrição do processo de articulação dos irmãos Scholl (e amigos) na criação do grupo Rosa Branca. Todavia, é importante notar que a criação do grupo em si foi antecedida por um processo de interiorização, por uma jornada intelectual e moral com consequências concretas, decisivas para todos os envolvidos. Inge Scholl recorda que a busca de Hans por um sentido maior de Bem, de transcendência, foi iniciada com o estudo sistemático dos filósofos antigos: Platão, Sócrates, Agostinho e Pascal.
O aspecto mais interessante da obra é a apresentação de uma fonte de resistência, vinda à direita, ao fascismo alemão. É frequente que se tome o fascismo como uma modulação do argumento conservador. É lugar-comum colocar ambas as ideologias no mesmo quadrante político. Todavia, A Rosa Branca ilustra bem as imensas distinções epistemológicas entre os dois argumentos. Enquanto o fascismo alemão dizia respeito a mudanças sociais bruscas, por meio do emprego sistemático da violência política, o conservadorismo esboçado pela Rosa Branca se relacionava à resistência não-violenta (muito embora o recurso às armas nunca tenha saído do horizonte do grupo), temperança e prudência. O principal problema da política é o da ordem e o da liberdade. Isto é, como os agentes políticos se relacionam com a ordem estabelecida? Qual é o tipo de conciliação possível entre liberdade e segurança? Em um dos panfletos da Rosa Branca, observamos uma crítica ao modelo do Estado nazista que, a um só tempo, nos informa a respeito do posicionamento conservador do grupo acerca dos princípios da ordem e da liberdade. De acordo com o panfleto: Tudo pode ser sacrificado em favor do Estado, excepto quando o próprio Estado se torna um meio» In Inge Scholl, A Rosa Branca, Conservadores contra o nazismo, A história dos estudantes alemães que desafiaram o nazismo, Gabriel Trigueiro, Editora 34, 2013, ISBN 978-85-7326-529-3.

Cortesia de E. 34/JDACT