sábado, 19 de julho de 2014

Conquista de Madrid. 1706. Vieira Borges. «… na sua interminável guerra contra os Turcos, a qual levaria Portugal, alguns anos mais tarde, à Batalha de Cabo Matapão, e aspirava ao trono de Espanha, no sentido de alargar o espaço dos Habsburgos»

jdact e sergioveludo

Actores e Interesses
«(…) A guerra, então assumida como um mal impossível de excluir, era cuidada na sua análise, para que a violência e a destruição fossem moderadas. Por outro lado, o impacto destas vozes de juristas era ainda maior nas casas reais, em função do menor protagonismo do papa, devido à Reforma protestante. Após Vestefália, surgiu a era dos reis absolutos. O rei Luís XIV ao assumir, em 1661, plenos poderes, como um autêntico vice-rei de Deus, voltou ao tempo dos déspotas italianos do século XV. Mas enquanto estes assentavam o poder nos seus mercenários, os reis absolutos eram sustentados por exércitos profissionais permanentes.
Na perspectiva de Rousseau, de que cada estado só pode ter como inimigos outros estados, e não pessoas, já que não pode haver qualquer relacionamento genuíno, entre coisas de natureza diferente e de que a violência se limita ao choque entre os exércitos, os actores desta época circunscreviam-se fundamentalmente aos estados. Estando a origem da guerra de Sucessão numa luta entre as coroas francesa e austríaca para assumirem o trono espanhol na sequência de Carlos II, estes dois países constituem os principais actores globais, aos quais se pode e deve juntar, a Inglaterra, no âmbito mais geral da luta entre as potências continental e marítima, que dominou as relações internacionais no século XVIII.
No entanto, outros interesses existiam por parte da Holanda, Portugal, Dinamarca, Suécia, Sabóia, Rússia, Polónia e de muitos principados alemães, grande parte dos quais em apoio da Inglaterra e em oposição à hegemonia francesa. Para alguns destes países, e em particular para Portugal e para a Holanda, os verdadeiros interesses estavam presentes nas suas possessões espalhadas pelo ultramar, que interessava salvaguardar Para outros, era o reajustamento de fronteiras e a possibilidade de serem ocupados total ou parcialmente pela França.
Entre todos os actores, o destaque vai naturalmente para a França, que apesar de inferior em forças e recursos aos seus inimigos, pretendia tornar-se no árbitro da Europa, alcançando o domínio do Reno, os Alpes, a tutela da Península Ibérica e a influência sobre os mares próximos. Para alcançar os seus objectivos, a França de Luís XIV precisava de ocupar as possessões da Espanha na Flandres, no Luxemburgo e no Franco-Condado, de fortalecer a sua posição na Alsácia e de submeter, ao seu domínio, os territórios do duque de Lorena. Teria ainda de, na Europa Central, impedir a ascensão de qualquer potência liderante na zona. Na Europa, o império dos Habsburgos incluía o Milanado, Nápoles, Sicília, Sardenha, Baleares e Países Baixos espanhóis, além da própria Espanha; as possessões não europeias incluíam Canárias, Filipinas, Cuba, México, Flórida, Califórnia, Panamá, e à América do Sul, com excepção do Brasil e das Guianas.
Deste modo, a estratégia francesa dos Bourbons passava por obter todos os apoios no continente, no sentido de privar a Inglaterra de pontos de apoio e de relações comerciais indispensáveis. O poder francês continuava a basear-se no forte exército, mas a acção diplomática da França, com a concessão de subsídios a soberanos, com pressões e ameaças de diversa ordem e com o fomento de rivalidades e confrontos entre estados adversários, no sentido de os dividir, reforçava consideravelmente a sua capacidade. Por outro lado, a Inglaterra não descurava os negócios continentais, construindo para os seus desígnios alianças contra a potência hegemónica continental, tendo por base a sua poderosa frota e a sua posição geopolítica. Sendo a marinha o vector prioritário da sua política externa, a sua estratégia de acção passava por utilizar correctamente os recursos financeiros, por um bom sistema de informações, pela liberdade de acção conferida pela sua insularidade, e prioritariamente, por uma acção premeditada de estratégia indirecta, assente entre outras acções na posse de pontos estratégicos de domínio dos mares.
A Áustria, uma grande potência continental, tinha com a França uma rivalidade tradicional. Apesar das suas constantes lutas, tinha revelado a qualidade dos seus recursos militares na sua interminável guerra contra os Turcos, a qual levaria Portugal, alguns anos mais tarde, à Batalha de Cabo Matapão, e aspirava ao trono de Espanha, no sentido de alargar o espaço dos Habsburgos. Com cerca de 100 mil homens em armas, o exército estava mal preparado e equipado para uma guerra que travou especialmente em Itália e na frente alemã». In João Vieira Borges, Conquista de Madrid, 1706, Batalhas de Portugal, Tribuna da História, Lisboa, 2003, ISBN 972-8799-08-X.

Cortesia de Tribuna/JDACT