terça-feira, 29 de julho de 2014

Ciência e Experiência. Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel. Moura Barbosa. «… acerca da unidade primordial, semelhante nostalgia, senão, pelo contrário, uma perfeita satisfação e quietude dentro daquela certeza que os levaria a ver um conhecimento no que não era mais que aparência. Na sua aparência, o real, onde tudo se reunia…»

Cortesia de wikipedia

«O que vive é indestrutível, permanece livre em sua forma de servidão mais profunda, permanece uno e, mesmo que o divida até o fundo, permanece invulnerável, e mesmo que o despedace até a medula, seu ser escapará vitorioso por entre as mãos». In Hölderlin

A transformação do conceito de Natureza e a constituição da experiência moderna
«Outrora tinham [os homens] um céu dotado de vastos tesouros de pensamentos e imagens. A significação de tudo que existia estava no fio de luz que o unia ao céu; então, em vez de permanecer neste [mundo] presente, o olhar deslizava além rumo à essência divina: uma presença no além, se assim se pode dizer»
«Essa passagem do Prefácio da Fenomenologia do espírito é um ponto de partida adequado para uma exposição da concepção cosmológica dos antigos. O universo, em tal tempo antigo, possuía um sentido determinado; nada na sua natureza lhe escapava, pois possuía o comum em sua essência. A filosofia buscava essa essência transcendente e significativa das partes na totalidade iluminada pela razão (lógos), a qual compartilhava da mesma luz com as estrelas. Tudo o que o homem abarcava com sua visão possuía sentido e era-lhe, ao mesmo tempo, espantoso e comum; a este comum, que em tudo visava, denominou-se princípio (arkhé). Dessa forma, a natureza possuía uma ordenação substancial própria, o que lhe conferia não só uma harmonia, mas também uma beleza. Tal ordenação e racionalidade garantiam a conformidade entre o pensar e o ser, assim como entre o conteúdo e a forma, ou ainda, entre o espírito e a natureza, conciliados de forma intuitiva e imediata no lógos. Por isso, não se perguntava propriamente pela necessidade de tal síntese, pois esta era uma evidência. Sendo assim, os filósofos antigos não sentiam, como os românticos modernos, acerca da unidade primordial, semelhante nostalgia, senão, pelo contrário, uma perfeita satisfação e quietude dentro daquela certeza que os levaria a ver um conhecimento no que não era mais que aparência. Na sua aparência, o real, onde tudo se reunia, dava-se essencialmente: tudo é um, ou como afirmava Parmênides, o mesmo é pensar e ser, que seria a própria experiência da totalidade. O pensamento grego, que principiou com a experiência do espanto (tò thauma) frente à unidade da multiplicidade na natureza, conferia à visão um papel importante, como assinala Aristóteles na Metafísica, e talvez nisso resida a gravidade estética do espírito grego. De modo que possui a visão, por um lado, um sentido sensível, estético, no seu sentido clássico de aísthésis, presente na relação em que o mutável e o contingente se apresentam aos olhos; por outro lado, apresenta-se também como visão noética e intelectiva do que subjaz e transcende à multiplicidade, como unidade da mesma. A visão possibilita uma relação essencial entre o homem e o seu mundo, através da contemplação (theoría) do imutável no mutável. Deste modo, a teoria ou a contemplação consistiria em colocar diante do espírito a unidade do que se mostra múltiplo aos olhos, como um movimento do sensível ao inteligível. Nessa busca essencial pela unidade, a experiência grega frente à natureza se constituiu numa ontologia, cuja pergunta principal é pela entidade do ente, ou, como afirma Aristóteles, a ciência do ente enquanto ente. Faz-se premente o estabelecimento das bases ontológicas do pensar, em que a natureza possuiria a forma determinada de uma totalidade ordenada objectivamente, constituindo-se propriamente como um Cosmo.
Para Hegel, os gregos concebiam uma unidade imediata entre espírito e natureza, o que constituiria uma forma essencial no seu pensamento, no plano teórico; e de sua sociedade, no plano prático, tendo por si tal unidade consigo mesma, como uma intuição do Cosmo, que possui não só o sentido de uma harmonia preestabelecida, mas também belo. Como identifica Hegel: a fase da consciência grega é a fase da beleza, beleza esta que brota do Espírito como idealidade e pensamento constituindo a relação entre homem e natureza. Com isto, a experiência grega gira em torno de uma idealidade estética, segundo a qual a subjectividade no seu modo de ser ainda se vincula imediatamente à natureza e ao sensorial, ainda que o transcenda intelectivamente. Tal vinculação finda por concluir que o espírito grego ainda não se representa a si mesmo (auto-conscientemente) e não se constitui num mundo para si mesmo, a não ser intuitivamente. Nessa unidade imediata, essência espiritual não seria algo estranho à natureza, mas algo essencialmente relacionado com ela, e mesmo subsumido nela. Afirma Hegel: os gregos têm como base, como essência a unidade substância da natureza e espírito». In Alexandre Moura Barbosa, Ciência e Experiência, Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel, Editora Universitária, Edipucrs, Porto Alegre, 2010, ISBN 978-85-7430-970-5.

Cortesia de EUniversitária/JDACT