Aquele precário reino do
exilio
«(…)
Como é comum em toda tentativa de se estabelecer uma taxonomia no campo das ciências
humanas, Suvin ocupa boa parte do seu artigo debatendo as chamadas áreas
cinza de sua categorização. Realmente, desde o principio fica claro para o investigador
que nem sempre é possível distinguir
de maneira inequívoca um exilado, um cidadão da diáspora, um refugiado ou um
imigrante. No entanto, é preciso ao menos identificar algumas características
particulares de cada um destes grupos a fim de que as semelhanças e confluências
não impeçam a compreensão de que existem demandas específicas a cada uma das
diversas modalidades de migração. Na taxonomia de Suvin, o grupo do exilado
inclui muitos dos intelectuais que se viram forçados a deixar seus países durante
a vigência de regimes ditatoriais e períodos de conflito armado. Podem ser
citados como exemplos os cientistas e académicos judeus que se estabeleceram
nos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial e os intelectuais e artistas da
África pós-colonial que foram forçados a se mudar para a Europa e América do
Norte nos primeiros anos do nacionalismo pós-independentista. O grupo dos refugiados
se confunde um pouco com o dos emigrados, especialmente porque a
imprensa actual, em seu duplo papel de formadora de opinião e árbitra dos usos
da língua, prefere usar o primeiro termo
para nomear as massas de desabrigados criadas tanto pelos conflitos políticos quanto
pelos desastres naturais e pelas crises económicas. Seguindo Suvin, porém, é possível
tratar como refugiados aos milhares de libaneses que se estabeleceram no
Brasil após a invasão do sul do Líbano por tropas israelenses na década de 1980, enquanto as primeiras levas de sírios
e libaneses que vieram para o país no início do seculo XX podem ser chamadas de
emigrados, já que a principal motivação para o seu deslocamento foi de
ordem económica.
Finalmente,
entre os exemplos de expatriados normalmente se incluem, por exemplo, os artistas
norte-americanos que se estabeleceram na Europa após a I Grande Guerra muito
mais por opção profissional do que por qualquer outro tipo de pressão externa.
Em relação aos intelectuais provenientes das jovens nações recém-independentes
da África e Ásia, alguns também se enquadram nesta categoria. Entre estes,
especialmente nos últimos anos, muitos passaram a desempenhar tarefas
importantes no meio académico, por exemplo, alternando seus períodos de actividade
entre continentes diferentes. O esforço conceitual de Suvin serve de ponto de
partida para a tentativa de diferenciação entre alguns dos pontos de sustentação
do estudo das relações entre o deslocamento espacial e o trabalho literário. No
entanto, algumas ausências são sentidas no seu ensaio, especialmente no que diz
respeito aos termos diáspora
e migração. A frequência com que o conceito de diáspora é
mencionado nos estudos culturais e literários actuais criou o risco de
apagamento das fronteiras entre, por exemplo, o que se entende por diáspora
e o que se tem em mente quando o termo exilio é empregue. Diante das dificuldades
que tal indiferenciação pode ocasionar, muitos autores vêm-se esforçando no sentido
de mapear de alguma forma estas noções, as quais, ainda que possuam diversos
elementos em comum, também apresentam diferenças que não devem ser ignoradas.
Num
texto bastante elucidativo intitulado Diásporas, James Clifford recorre a
uma clássica definição da diáspora, de autoria de Safran, para, em seguida,
procurar compreender a maneira como tal conceito tomou novas colorações no
interior do discurso académico. Segundo Clifford, Safran define as diásporas
do seguinte modo:
- Comunidades minoritárias expatriadas, que se encontram dispersas a partir de um centro original na direcção de ao menos dois locais perifericos; que mantem uma memória, visão, ou mito acerca da sua pátria original; que acreditam que não são, ou talvez que não possam ser, totalmente aceitas pelos países anfitriões; que vêem o lar ancestral como um local de retorno eventual, quando o momento propício chegar; que estão comprometidas com a manutenção ou restauração desta pátria natal; e das quais a consciência e solidariedade do grupo são significativamente definidas por esta relação continuada com a pátria (...). Estas são as principais características da diáspora: uma história de dispersão, mitos/memórias da pátria, alienação no país anfitrião (mau anfitrião?), desejo de retorno eventual, apoio permanente da pátria e uma identidade colectiva marcadamente definida por esta relação.
Ao tentar estabelecer uma distinção entre
a diáspora
e o exilio,
Peters segue um caminho que acaba por criar algumas confluências e divergências
entre os conceitos de Suvin e os de Clifford. Segundo Peters (1999),
o exílio sugere um banimento doloroso
ou punitivo da terra natal. Alem disto, seja voluntario ou involuntário,
o exilio geralmente implica um facto
traumático, um perigo iminente, normalmente político, que faz com que o lar não
mais seja habitável com segurança». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o
Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer,
Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.
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