quarta-feira, 16 de julho de 2014

A Representação da Diáspora Contemporânea e suas Implicações no Romance ‘O Engate’. Nadine Gordimer. Alba Topan Feldman. «Actuava sempre em causas humanitárias em prol de seu país, e transferia as suas ideias políticas para a escrita. Como parte de uma realidade quotidiana e conhecida no mundo, a diáspora é ligada a sentimentos»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«A presente dissertação pretende mostrar a representação da diáspora contemporânea na obra de Nadine Gordimer, O Engate. Para tanto, será utilizado o ferramental teórico baseado em autores de estudos pós-coloniais e de estudos culturais. Fenómeno cada vez mais comum no mundo, a diáspora constitui um movimento voluntário, ou forçado, de pessoas e povos de suas terras natais para novos locais. A diáspora tem acontecido desde a dispersão dos judeus na antiguidade, perpassa pela escravidão africana, e as migrações dos países europeus para as colónias, no final do século XIX, ganhando força renovada após a II Guerra Mundial. A renovação da diáspora após 1945 envolve factores como a globalização, a flexibilização das fronteiras, a facilidade de transportes e comunicação, além de factores económicos e sociais. A diáspora afecta grandemente a identidade, não apenas da pessoa diaspória, mas também as pessoas com quem ela tem contacto, seja no seu local de origem, seja no local de chegada, pois envolve aspectos sociais, culturais e identitários, sentimentos de lar e deslocamento, que significa sentir-se como não pertencente a algum lugar. O livro apresenta dois tipos de diáspora distintos, ambos marcados pelo deslocamento: a primeira, de Ibrahim, que passa por diversos países até chegar à África do Sul, levado, em primeira instância, por razões económicas; e a de Julie, que sai da África do Sul e vai até ao país árabe desértico onde Ibrahim nasceu, para acompanhar o marido, fugindo do mundo superficial em que vivia. A diáspora afectou negativamente Ibrahim que, para manter-se num país onde é outremizado e tratado como inferior, por sua condição de imigrante ilegal, procura esconder-se na multidão, e até mesmo muda de nome. Julie não tem nenhuma razão aparente para efectuar a diáspora, pois tem tudo o que Ibrahim sonha. No entanto, acaba seguindo Ibrahim para seu país de origem, depois que se casam, e ele é deportado da África do Sul. Esta atitude provoca uma mudança profunda na vida de Julie, que se adapta ao clima árido e apaixona-se pelo país. A diáspora de Julie, portanto, é uma busca por um sentimento de lar e completude, que ela encontra na família de Ibrahim. Assim, quando Ibrahim busca fugir mais uma vez do país que o oprimia, Julie opta por ficar com a família dele. Ambas as diásporas, no final do romance, representam a busca do sentimento de pertencimento, de lar: enquanto Ibrahim o busca novamente num país desenvolvido (os Estados Unidos), Julie o encontra no país pobre do marido. A obra de Gordimer mostra a diáspora contemporânea, motivada não apenas por razões económicas e sociais, mas também pela fragmentação do indivíduo da pós-modernidade».

O Fenómeno da Diáspora
«Originalmente sendo o termo que designava a dispersão dos judeus após o exílio na Babilónia, estendendo-se depois para outras dispersões, a palavra diáspora actualmente tem um sentido mais amplo, e pode designar qualquer movimento de povos ou grupos sociais que possuam alguma origem comum. Diariamente, por todo o mundo, grupos sociais deslocam-se pelos mais variados motivos: busca de trabalho, melhores condições de vida, estudo, fuga de guerra, ou até diversos desses factores interligados. Méier (2005) afirma algo relevante sobre o assunto: … talvez nós possamos sugerir agora que as histórias transnacionais de migrantes, os colonizados ou refugiados políticos, estas condições de fronteiras, possam ser o terreno da literatura mundial. Como parte de uma realidade quotidiana e conhecida no mundo, a diáspora é ligada a sentimentos de fragmentação, de deslocamento e de perda de identidade. Outro assunto para análise é o status ocupado, no mundo globalizado, pelo sujeito diaspório. Por sua característica de formação da identidade, o tema é muito abordado na literatura mundial, e também na literatura de língua portuguesa, em vários de seus aspectos: seja na viagem de exploração da dominação europeia, seja na fragmentação do indivíduo das colónias, quando se trata de demonstrar numa única pessoa, e suas tentativas de fuga, a busca pela identidade, pela liberdade ou pelo conforto. O sujeito das colónias, ao mudar de país ou de região, tem que enfrentar uma nova cultura, geralmente hegemónica, que entrará em conflito com a sua própria.
Quando há um enfoque sobre as nacionalidades, busca-se sempre uma unidade política, que praticamente tornou-se impossível no mundo globalizado. No entanto, as populações híbridas, resultantes dos movimentos diaspórios, que se sentem deslocadas e fragmentadas devido a esse mito da unidade, têm sido esquecidas ou ignoradas. Mesmo existindo certo consenso teórico internacional sobre o assunto, mas uma revisão de literatura bem articulada, além de traduções importantes para o tema. Sabe-se que, após a II Guerra Mundial e, principalmente, após a Guerra Fria, as fronteiras dos países em desenvolvimento tornaram-se mais flexíveis, e a globalização tem levado ao deslocamento de grupos numerosos de pessoas em busca da realização dos sonhos provocados por um mundo capitalista. A diáspora precisa ser estudada, assim como os seus desdobramentos na literatura e nas artes em geral. Nadine Gordimer recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1991, chamando, mais uma vez, a atenção para a ignomínia que era o apartheid, na África do Sul. Actuava sempre em causas humanitárias em prol de seu país, e transferia as suas ideias políticas para a escrita. Afirmou, numa entrevista, que o dia em que se sentira mais orgulhosa na sua vida, não fora quando recebeu o Nobel, mas quando, em 1986, foi testemunha em um julgamento, para salvar as vidas de 22 membros do Congresso Nacional Africano, acusados de traição. A autora nasceu na cidade de Springs, no Transvaal, em Novembro de 1923, e é filha de imigrantes judeus de classe média alta. O pai era joalheiro, nascido na Lituânia, e a mãe originária de Londres. A mãe de Gordimer, impressionada com o modo como eram tratadas as crianças negras, abriu uma creche para dar apoio gratuito a essas crianças. Tal atitude contribuiu para a formação social e política da escritora, que iniciou a sua carreira aos 15 anos, quando escreveu pequenas histórias, publicadas dez anos depois, sob o nome de Face to Face. Estudou na Universidade de Witswatersrand, Joanesburgo, e viajou bastante pela África e pela América do Norte. Até 1994, Gordimer já havia publicado treze novelas, duas centenas de contos, e diversos livros de ensaio. Seus escritos foram traduzidos em mais de trinta línguas, e recebeu numerosos prêmios e doutoramentos honoris causa.
A obra que a lançou mundialmente foi A filha de Burguer (1979). O seu estilo é pessoal, mas sem nunca deixar os aspectos mais amplos de política e história. É sua a frase, a política é uma personagem na África do Sul. Assim, a maior parte de suas obras trata das tensões morais e psicológicas de seu país. É um dos membros fundadores do Congresso Sul-Africano de Escritores. Nadine Gordimer sempre se interessou pelas complexidades da alteridade: cresceu numa África pós-colonial, e viveu os vários estágios do regime do apartheid, analisando a alteridade sofrida pelos negros nas suas primeiras obras. Agora, com a população negra sendo absorvida lentamente pela sociedade branca sul-africana, alguns críticos chegaram a considerar que Gordimer havia perdido sua razão de luta com a literatura, tornando-se uma rebelde sem causa». In Alba Krishna Topan Feldman, um longo caminho até o lar, A Representação da Diáspora Contemporânea e suas Implicações no romance ‘O Engate’, de Nadine Gordimer, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Dissertação de Mestrado, Maringá, Brasil, 2006.

Cortesia de UEM/JDACT