terça-feira, 15 de julho de 2014

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «É perante este problema fundamental, criação das ‘élites’ políticas e pensantes, que a mocidade portuguesa tem de agir e reagir»

Cortesia de wikipedia

«(…) Em Abril de 1918, uma comissão de alunos da Universidade de Lisboa convida a mocidade republicana das escolas e toda a mocidade republicana, seja qual for o ramo de actividade a que se dedique, a comparecer numa reunião que terá por finalidade a fundação de uma Liga Republicana onde se possam congraçar todos os republicanos da nova geração, com ou sem filiação partidária. A propósito da reorganização dos jovens republicanos, podemos ler no jornal O Mundo de 29 de Abril de 1918, na sua primeira página, as seguintes informações: há muito que a ideia generosa e alta do centro republicano académico, onde, sem distinção de partidos, se juntassem todos os republicanos das escolas, andava na alma da academia. Já depois da implantação da República têm sido fundados, com um maior ou menor êxito, na Universidade de Coimbra centros republicanos académicos, alguns de natureza partidária, outros simplesmente republicanos. Em Lisboa, depois da revolução de 14 de Maio, tentou-se na academia a fundação dum centro republicano. A intenção de ilibar esta iniciativa de possíveis acusações de sectarismo partidário transparece no cuidado com que se estabelecem os contactos. Grupos de estudantes dialogam com Brito Camacho, com um elemento do Directório do Partido Democrático e com um membro da Junta Central do Partido Evolucionista.
Enquanto na capital se procede às operações de lançamento da Liga Nacional da Mocidade Republicana, em Coimbra, os jovens republicanos agitam-se em torno da construção do seu Bloco Académico Republicano; por seu turno, no Porto avança-se com a organização do respectivo Grémio Académico Republicano. Mais uma vez a República se socorre do aval da juventude para demonstrar aos incrédulos a justeza das suas razões. A conjuntura politica de 1918 não é, contudo, propicia a uma reedição das jornadas gloriosas de 1890. Não é só contra a policia de Sidónio Pais e a crescente arrogância dos monárquicos de todos os matizes que se tem de lutar. Divergências profundas, e de longa data, fraccionam a família republicana, provocando inevitáveis divórcios. Um escasso mês após a primeira convocatória para os trabalhos preparatórios da organização da Liga já Nóbrega Quintal, chefe de gabinete de António José de Almeida e um dos principais impulsionadores deste projecto, declarava:
  • A princípio pretendeu-se-lhe dar um carácter abstractamente republicano, isto é, onde se olhasse ao facto de o ser, e não à maneira de o ser. Assim entrariam nela estudantes afectos à actual situação. Desde a primeira hora que me opus a tal programa. Uma Liga da Mocidade Republicana não poderia, já não digo pactuar, mas transigir sequer com a República que para ai está, uma República vazia de sentido republicano.
De depuração em depuração, o processo construtivo da Liga caracteriza-se por uma acentuada morosidade; entretanto, as camadas intransigentemente conservadoras e nacionalistas do republicanismo agitam o pendão de Nuno Álvares Pereira, aliciando grande parte dos estudantes afectos à actual situação», de que falava Nóbrega Quintal. Superado o interlúdio sidonista, a actividade das ligas, blocos e grémios académicos republicanos logo se esbate num remoer narcisista da mais recente proeza das suas hostes, o combate do Batalhão Académico nas faldas de Monsanto. Mas o evoluir dos acontecimentos históricos não se compadece com as pequenas distracções humanas. Cônscios desta verdade estão os jovens que, no dealbar de 1924, se propõem ressuscitar, em novos moldes, a União da Mocidade Republicana. Rodrigues Miguéis, presidente do movimento, lança um alerta, traça um programa, aponta uma outra rota:
  • Responsabilidades bem graves, bem duras, pesam sobre os novos de hoje. As gerações passadas agitaram à luz do ideal ardente a bandeira vermelha da revolta; abriram para os ventos desordenados que então sopravam sobre as fórmulas políticas em decadência e ruína as suas palavras como fogo e lava. Mas passadas as horas da luta, horas de perigo incerto, horas de febre, eles, que não haviam cultivado mais do que o sentimento republicano, sem cuidarem talvez, que acima desse é mister que vibre a inteligência construtora das democracias, viram-se a braços com as maiores dificuldades e não puderam, ainda que o desejassem, conjurar os perigos e destruir os erros. [...] Lançadas, em Portugal, as bases do regime republicano [...] falta-nos, como escreve um grande espírito da nossa terra, criar uma élite política e científica com força bastante para enquadrar a massa e torná-la digna, finalmente, da gloriosa história dos seus avós. Eis, nessas palavras, realmente desenhada a face política da questão portuguesa. É perante este problema fundamental, criação das élites políticas e pensantes, que a mocidade portuguesa tem de agir e reagir».
In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT