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A primeira parte começa com uma breve descrição geográfica do Reino, descrição
em que o autor respeita o esquema típico dos tratados epidíticos, tão na moda
na Itália do século XVI, para abordar depois as questões relacionadas com a situação
administrativa, com o sistema jurídico e com a organização religiosa.
Depara-se, sobretudo, que o autor conhece em profundidade o sistema jurídico
português, que apresenta em toda a sua complexa estrutura: corregedores do
cível e do crime, juízes do cível e do crime, ouvidores da alfândega, juízes
das propriedades, juízes dos órfãos, juiz da Índia, Tribunal da relação do
cível, Tribunal dos feitos novos, Casa da suplicação, Desembargo do Paço, Mesa
da Consciência, etc.. Neste retrato, o autor não esquece de assinalar o
facto que além daquilo que o rei de
Portugal possui na Europa, ele é também senhor, na África, de Ceuta, Tânger,
Arzila e Mazagão, que são quatro praças fortes de honesta grandeza na
Mauritânia Tingitana, as duas primeiras no estreito de Gibraltar e as outras
duas seguindo a costa, mais a poente. A Ilha da Madeira é igualmente sua,
distante de Lisboa 150 léguas. É senhor das Terceiras, chamadas ilhas dos
Açores, que são oito, s., a Terceira, S. Miguel, Santa Maria, S. Jorge, o Pico,
o Faial, a Graciosa e a das Flores, todas distantes de Lisboa 300 léguas. E
visto que, seguindo a costa da África, quase por toda a parte, junto ao mar,
tem muitas fortalezas e ilhas até chegar à Índia, passarei a indicar a maior
parte.
A
esta realidade, menos conhecida pelo público italiano, o autor dedica amplo
espaço, procedendo a uma descrição pormenorizada em que, seguindo a costa
ocidental da África chega até Malaca e, para o ocidente ate ao Brasil, descrição
em que indica não só as possessões portuguesas mas também, o seu regime
político, o comércio e as rendas que a Coroa recebe destas praças e regiões. Se,
neste retrato o Reino de Portugal é apresentado de uma maneira precisa e
completa no que diz respeito à sua organização administrativa, política e
económica, não o é no que toca à sociedade não directamente envolvida no
sistema burocrático do Estado: encontram-se sobretudo breves notícias sobre a
nobreza, sobre a concessão dos encargos públicos, dos benefícios e das
comendas.
A
segunda parte da obra, o reverso, não
foi elaborado, como poderia parecer à primeira vista, como contraposição da
primeira, mas como sua integração, como complemento capaz de propor ao leitor
um conjunto amplo e variado da realidade portuguesa. Neste reverso o autor retoma brevemente, em sentido negativo,
alguns dos temas abordados na primeira parte e enfrenta novos assuntos
relacionados sobretudo com a qualidade da vida e com o sistema social descrição
de Lisboa e reflexos da estrutura arquitectónica sobre a vida quotidiana, vias
de comunicação, fortalezas, ordens militares, componentes étnicas, hábitos da
vida das diferentes camadas sociais, relação da população com a religião, etc.
Oliveira
Marques
vinca ainda na sua breve introdução que o autor tentou dar no retrato uma descrição objectiva de
Portugal e das coisas positivas que encontrou neste reino, mas que no reverso quis olhar para o País por outro prisma e relatar as coisas más, os
aspectos feios dos Portugueses e que dedicou um pouco mais de espaço a este reverso (20 páginas manuscritas num total de 37) que é, na realidade, um libelo terrível
contra Portugal, cujo povo ele desprezaparu além de todas as medidas. Esta
impressão, justa, à primeira vista, deve todavia ser corrigida através da avaliação
de alguns factores colaterais, como são o género em que se insere a obra e a
cultura de um autor italiano do século XVI, para o qual a vida espiritual e
material com que era habituado no seu país tinha um peso condicionante nas
considerações sobre uma realidade bastante diferente, como era a portuguesa.
Durante
os séculos XVI e XVII depara-se com um fôlego muito marcado do homem europeu de
descrever e definir não só o mundo que estava descobrindo e explorando, mas
também os países que se integravam numa Europa, aparentemente bem conhecida.
Neste sentido a Península hispânica não foge à regra e, por exemplo, Damião
de Góis, seguindo a linha de um Lúcio Marineo Sículo que tinha
escrito De Laudibus Hispaniae e,
ao mesmo tempo, para combater as informações não correctas e depreciativas
incluídas por Sebastião Münster na sua edição da Geografia de Ptolomeu,
elabora em 1541 uma obra intitulada Hispania,
enquanto que Pedro Medina publica em Sevilha, em 1548, o seu Livro de
grandezas y cosas memorables de España».
In
Carmen Radulet, Um Retrato Italiano de Portugal no Século XVI, a Joaquim
Veríssimo Serrão os Amigos, Fraternidade e Abnegação, Academia Portuguesa da
História, Lisboa, 1999, ISBN 972-624-126-X.
Cortesia
da APdaHistória/JDACT