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O frémito liberalizador de Cadiz inquietara obviamente a Junta Governativa do
Reino. Outrossim, no Rio de Janeiro, redobravam-se as preocupações. Expulsos os
franceses e desvanecido o perigo napoleónico, apressaram-se os Governadores do
Reino a solicitar o regresso da família real. O rescaldo da guerra acentuara a
orfandade governativa do país. Económica e socialmente a conjuntura
agravara-se. Só a presença das tropas inglesas e a vigilante autoridade de
Beresford conteriam um crescente mal-estar. Indiferente, a corte permanecia no
Brasil. Os negócios públicos na metrópole caiam no marasmo. A máquina
administrativa, já de si ineficaz, cada vez mais se recente da distância do
respectivo centro de decisão. A tal problemática não encontrava o Governo forma
de lhe acudir. Surgem, por isso, facções buscando alternativas susceptíveis de
salvar o destino de Portugal: a pró-ibérica, sempre presente em épocas de
crise; a favorável à substituição da dinastia reinante; e a que simplesmente
apostava na mudança de regime.
Com
qual se identificaria a conspiração de Gomes Freire não estará aqui em
causa. Importante é ter em conta o seu significado como prelúdio da inevitável
viragem política posterior. Embora impiedosamente jugulada a cabala do general
estimularia o ânimo de muitos indecisos. Tão profunda marca terá deixado, que
inoperantes se revelaram as medidas repressivas logo decretadas. O primeiro
passo para a mudança havia-se encetado e irreversivelmente. O percurso
histórico favorecerá os mais afoitos. A organização clandestina do Sinédrio
dera-lhes corpo. Razões e objectivos não faltavam ... O exemplo espanhol era
encorajante. Enfim, tudo se conjugava para um acto final que terá lugar a 20 de
Agosto de 1820.
Durante
este período, expressiva se oferece a similitude dos sucessos ocorridos nos
dois países ibéricos. No entanto, padecendo embora de males idênticos, nem
assim se mitigou o tradicional contencioso das suas relações. Bem pelo
contrário. Desde os alvores do século o confronto avolumara-se. A coligação
franco-espanhola sujeitara Portugal à inglória guerra das laranjas. Os
anos vindouros em nada alterariam a situação. Coexistindo lado a lado, cada
qual sofreria a seu modo as contingências da ocupação estrangeira. Levados a
bom termo os movimentos libertadores na Península, coube enfim a oportunidade
para novas perspectivas. Quase logo após o regresso de Fernando VII, acreditava-se
em Madrid José Luís Sousa Botelho, como Enviado Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário (apresenta credenciais a 29 de Julho de 1814, quatro meses
após o regresso do monarca espanhol). Esta pronta enviatura reflectiria a
determinação de Lisboa em não protelar questões pendentes. E, entre estas, avultava a devolução do território de
Olivença, indevidamente retido pela Espanha desde o Tratado de Badajoz.
Anteriormente, já o problema havia sido suscitado pelo conde de Palmela, seu
antecessor, mas sem qualquer êxito. Agora, depois do apoio português à guerra
da independência caberia esperar a grata retribuição, ao menos através de uma
atitude contemporizadora.
Nada
disso aconteceu, porém. A despeito das insistentes diligências, as respostas
foram sempre evasivas. Por esta altura, Setembro de 1814, corre uma notícia que galvanizará todas as atenções: Montevideu,
o mais fiel baluarte realista da América espanhola, caíra em poder dos rebeldes.
Ao desabar do império acrescia-se nova perda. E todas as preocupações se
concentrariam na tentativa de se evitar o descalabro. Exangue, sem meios materiais
nem ânimo colectivo, a Madre Pátria entrava em extertor. A confusão inicial
dera lugar a medidas de fraco ou nenhum alcance. Os esforços para se aprontar
uma esquadra enfrentavam as maiores dificuldades. Em consequência, os
contactos sobre Olivença viram-se inexoravelmente postergados, pelo menos por
algum tempo.
Assim
considerava Sousa Botelho para quem outros aspectos bilaterais,
mereceriam igualmente particular empenho. Após anos de litígios e confrontações,
chegara talvez o momento propício para os debelar. Restaurado o poder real,
desenhava-se a possibilidade de viabilizar soluções até, ali não conseguidas.
Apostando nesse factor, o diplomata desenvolverá intensa actuação junto da
corte de Madrid. Tal tarefa, porém, envolvia espinhosas dificuldades. Como se
disse, ao redor do monarca gravitava uma camarilha
de áulicos, entre os quais pontificava o embaixador russo Tattistshef. O seu
ascendente sobre Fernando VII derivava, sobretudo, do prestígio que a política
hegemónica do Tzar Alexandre alcançara na Europa. Concomitantemente, a fragilidade
do trono espanhol tornava-se vulnerável e até dependente do autocrata de São
Petersburgo». In Fernando Castro Brandão, Aspectos das Relações Diplomáticas
Luso-Espanholas, 1814-1821, separata de A Diplomacia na História de Portugal,
Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1990.
Cortesia
da APdaHistória/JDACT