A Primeira Transmissão de Poderes- 1557. Os termos de uma definição de
regência
«(…) Ora, como observa Rebelo Silva, não podemos concluir que D. Catarina
tenha recusado a perspectiva política que lhe apontava o imperador, mas só que
se recusou a publicar a referida pragmática. Chamando a atenção para os termos
da correspondência de Borja com Carlos V, publicada por Gachard e citada por
Mignet, Rebelo Silva apresenta uma interpretação divergente da de Barbosa
Machado. Com efeito, o jesuíta escrevia na sua carta de 6 de Outubro de 1557 que en attendant, micer Agustino [Carlos V] peut être très satisfait e
dois dias depois acrescentava que
Catalina Diez [D. Catarina] obéirait à micer Agustino comme pourrait le faire
Santiago de Madrid [Filipe II]. E decerto se entendia que nas orientações
políticas gerais a colaboração era garantida entre a coroa portuguesa, enquanto
representada por D. Catarina, e a castelhana. Para Portugal seria impossível
esquecer a ameaça de uma ambição tão antiga como o reino e tão numerosas vezes
ensaiada. Posta tantas vezes à prova a segurança da sucessão do trono, tendo o
sucessor apenas 3 anos de idade, como se não inquietariam os portugueses à morte
do monarca João III, no desconhecimento total em que se encontravam de qualquer
acto ou disposições reais no
concernente à continuidade do governo? E essa inquietação, patente e
confessada pelos colaboradores de el-rei que acompanhavam o féretro de João III
até Belém, persistiu durante os primeiros tempos da regência, pois nenhuma
disposição geral foi tomada após a aclamação do rei Sebastião. Em 1558 Manuel Costa, professor de
Coimbra, insistia na necessidade de se criar direito claro sobre a sucessão na
coroa portuguesa; lembrava como surgiam litígios a tal respeito entre parentes,
não se resolvendo muitas vezes pelo direito e pelas leis, mas pela guerra e
pelas armas; sabia-se como tais casos ocorriam nos outros reinos, apesar de estes
problemas terem aí explicitação mais clara nos documentos legislativos.
O direito de sucessão à coroa portuguesa não foi a questão principal a
ser resolvida em 1557. Depois da
morte do rei, a primeira transmissão de poderes só aludiu aos problemas
imediatos do processo governativo, mas em breve eclodiria uma crise política em
que as soluções não seriam tão simples. O rei João III morreu numa sexta-feira,
11 de Junho de 1557, no Paço da
Ribeira de Lisboa. Rodeado pela rainha, pelo cardeal-infante, pela infanta D. Maria, infanta D. Isabel e
seus filhos, por Jorge Silva, filho do regedor de justiça, que, com o rei,
dizia o credo, por fr. Gaspar Casal, a quem se acabara de confessar, o rei
teria pedido a D. Catarina, antes de morrer, que regesse, e governasse este Reyno com muito amor, e sem escandalo, e
que ella com o Infante cardeal Henrique, seu irmão, com dès do Concelho fizessem
os despachos de mayor importancia.
A crónica, de autor anónimo, publicada por Luciano Ribeiro também se
refere a este pedido de João III ao morrer, declarando
a R.ª D. Caterina sua mulher […] por governador de Portugal q aceitou primeiro por
serviço de deus e bë destes reynos importunada por El Rey seu marido naquellas
horas chegadas à morte em q os rogos soem ser eficazes diante de quë com tanto
decoro sabrá guardar as ordens de seu marido e a obrigação q tinha a seus povos
e reynos de seu neto. A crónica juntava que ficava tambem antre outros do sangue o Infante cardeal Henrique irmão
del Rey difunto em q a Rainha regente podia librar parte de seus trabalhos no
governo. Nenhuma outra fonte alude a tal preocupação do rei nos seus
últimos momentos. António Castilho refere que o rei viera a falecer algüs dizião que sem testam. nê declaração
de guovernador do Rejno e titoria del Rei seu neto. Mas a crónica da
Biblioteca da Ajuda atribuída a mestre Afonso Guerreiro declara que ao tempo da morte del Rey Dom João que foi
aos 11 de Junho de 1557, vendo quam
orphaos ficavão os Reinos de Portugal, com hü herdeiro menino, que era seu neto
o Principe Dom Sebastião deixou elle declarado em seu testamento, e rogado a
Raynha sua molher que ella tomasse a seu cargo a criação de seu neto; não
precisa a data, nem do testamento, nem do pedido. Por seu turno, o escrito
sebastianista Discurso da Vida del Rey Dom Sebastião acentua o facto de Sebastião ter entregue o reino a sua
avó para que o criasse e governasse por ele.
Após a morte do rei, a rainha recolheu-se no seu oratório, decorrendo depois
as cerimónias fúnebres. O conselho foi convocado para o dia 13 de Junho,
domingo da Santíssima Trindade. Como narra Manoel Menezes, nesse dia, festa de
Santo António, se ajuntarão os do
Concelho, para tomarem acordo nas cousas tocantes ao governo do Reyno, e à paz,
e soccego delle, e para isto melhor se fazer tratárão de saber se deixára El
Rey Testamento, ou algüa lembrança, ou papel, em que se fizesse alguma
disposição, por onde elles se pudessem governar, e não se achou mais que hum
papel sem ser assinado por El Rey, o qual era instrucção, que deu o Chanceller
mòr Gaspar Carvalho, a qual El Rey lhe pedio, como conselho, se licitamête, sem
ser cõtra Direito, e sem hir contra sua consciência, poderia por sua morte, deixar
a Rainha por Governadora destes Reynos, em quanto o Principe não fosse de idade
para poder tomar posse, e reger por si os ditos Reynos. Sobre isto era a instrucção,
que o dito Gaspar Carvalho deu a El Rey, porém feita pela mão do Secretario.
Então o agente da sua divulgação teria sido Pero Alcáçova Carneiro». In
Maria do Rosário Azevedo Cruz, As Regências na Menoridade de D. Sebastião,
Elementos para uma História Estrutural, Temas Portugueses, Imprensa
Nacional-Cazsa da Moeda, 1992, ISBN 972-27-0527-X.
Cortesia de INCM/JDACT