NOTA: Obra publicada inicialmente nos anos 50, A Rosa Branca apresenta uma fonte de
resistência ao nazismo vinda da direita
«(…) Pois o Estado jamais é um fim em si mesmo; ele só importa como
condição sob a qual a finalidade última da humanidade pode ser alcançada, e
essa finalidade não é outra senão o desenvolvimento de todas as potencialidades
do homem, o progresso. Se uma Constituição impede o desenvolvimento de todas as
potencialidades do homem, se impede o progresso do Espírito, então ela é
reprovável e perniciosa, por mais bem pensada que tenha sido e por mais que, a
seu modo, seja perfeita[...]. No segundo panfleto do grupo, há três citações de
Lao-Tsé que ilustram à perfeição a cosmovisão conservadora da Rosa
Branca. A primeira: É feliz o povo daquele cujo governo é
discreto. É arrasado o povo daquele cujo governo é impositivo. A segunda
é uma crítica à ideia de engenharia social (um dos elementos distintivos do
pensamento conservador): O reino é um
organismo vivo; ele não pode ser construído! Quem tenta construí-lo, o arruína,
quem tenta possuí-lo, o perde. Por último, a terceira citação é
igualmente um elemento corriqueiro na génese conservadora: o elogio à
prudência, à temperança: O grande homem,
portanto, distancia-se dos excessos, distancia-se da soberba, distancia-se dos
abusos. A ameaça nazista era percebida pelo grupo, sobretudo, como sendo
uma ameaça radical. Tratava-se do simétrico oposto aos argumentos da Rosa
Branca.
É, no entanto, no terceiro panfleto que as credenciais conservadoras do
grupo se tornam ainda mais evidentes. Logo no início, há uma crítica à ideia de
racionalismo subjacente ao conceito de Estado
ideal. Além disso, há uma apologia à ideia de natural law, o que
aproxima a retórica do grupo da retórica conservadora acerca de uma ordenação
moral transcendente. Todas as formas ideais de Estado são utopias. Um Estado
não pode ser construído de maneira puramente teórica; ele precisa crescer,
amadurecer, assim como um indivíduo. Mas não se deve esquecer de que já existia
uma forma rudimentar de Estado nos primórdios de cada civilização. A família é
tão antiga quanto o próprio homem e a partir dessa convivência inicial, o
homem, como ser racional, criou para si um Estado cujo fundamento é a Justiça e
cuja lei suprema deve ser o Bem Comum. O Estado deve representar uma
analogia da ordem divina e, por fim, se aproximar de seu modelo, a mais alta de
todas as utopias, que é a civitas Dei.
No quarto panfleto, evidencia-se o substrato cristão da retórica da Rosa
Branca. Evoca-se o fundo metafísico da guerra a ser travada contra o
nacional-socialismo. De acordo com eles, o inimigo a ser combatido era o Irracional, o demónio, o mensageiro do
Anticristo. Embora seja identificável uma matriz conservadora na
argumentação dos panfletos da Rosa Branca, não podemos perder de
vista que os textos foram escritos tendo como alvo uma miríade de segmentos da
sociedade. Se por um lado havia a preocupação com uma classe intelectual e
artística, e mesmo com segmentos religiosos, o tom dos argumentos teria que
apelar igualmente para a classe operária, inclusive para aqueles que nutriam
então simpatias bolchevistas. Não é por outro motivo que vemos, no quinto
panfleto, a seguinte chamada: O
operariado precisa ser libertado de sua condição de mais baixa escravidão
através de um socialismo sensato. A ilusão da economia autárquica precisa
desaparecer da Europa. Cada povo, cada indivíduo tem direito aos bens do mundo!
Entretanto, no mesmo panfleto, estão presentes vigorosas invectivas contra
qualquer poder centralizador e, no limite, os valores afirmados estão afinados
com o liberalismo clássico (federalismo, liberdade de expressão, liberdade
religiosa e proteção de cada indivíduo contra a arbitrariedade de Estados
autoritários e criminosos). A
Rosa Branca é um lançamento importante e de inegável valor histórico.
Seu valor não está meramente circunscrito à literatura sobre o regime nazista.
A leitura mais interessante que se pode fazer da experiência dos irmãos Scholl
e companheiros é observar como uma tradição política e (sobretudo)
intelectual conservadora pode ser apropriada no combate ao grande Mal do século XX. Ainda que, em sentido estrito, o
tema do livro tenha suas especificidades históricas, suas particularidades, numa
dimensão maior, o seu argumento central é atemporal: isto é, a busca por um
sentido de transcendência e uma ordenação moral interior e exterior. Não é
pouca coisa».
In Inge Scholl, A Rosa Branca, Conservadores contra o nazismo, A história
dos estudantes alemães que desafiaram o nazismo, Gabriel Trigueiro, 2013, ISBN
978-85-7326-529-3.
FIM
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