segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Política, História e Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa Neves Travessa «O primeiro, da autoria de Pascoaes, intitulado Ao Povo Português. A Renascença Lusitana, defende a obra patriótica que reúne um conjunto de indivíduos cheios de esperança e fé na nossa Raça…»

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Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Concretização do sonho
«(…) O projecto toma forma e consolida-se a partir da reunião preparatória de Coimbra embora sem a presença de nenhum dos elementos do grupo de Lisboa. Nesse encontro Teixeira de Pascoaes é escolhido para redigir um projecto de programa da Associação e é também nessa ocasião que se elabora um projecto de estatutos, para serem discutidos numa reunião marcada para 17 de Setembro em Lisboa. Esta última reunião conta com a ausência de Pascoaes, para que não imaginem lá que me quero salientar neste assunto e do Porto apenas comparecem Cortesão e Álvaro Pinto a que se juntam Proença, Sérgio, Câmara Reis, Joaquim Manso, Mário Beirão, Veiga Simões, Gastão Correia Mendes e Albino Forjaz Sampaio. Neste encontro é já claro o confronto entre duas tendências que gravitam em torno da génese da Renascença, realçado pela oposição ao texto programático de Pascoaes que colidia, pelo seu saudosismo exacerbado e pelo nacionalismo romântico, com as ideias de Sérgio e Proença, que reconheciam a necessidade de diagnosticar os problemas do país e regenerar a sociedade pela mobilização dos grupos de intelectuais, mas discordavam dos meios, propugnando por uma abertura à cultura europeia, sem descurar os interesses nacionais. Álvaro Pinto revela que o programa de Pascoaes não reuniu o consenso favorável nesta reunião, embora todos concordassem em entregar a Pascoaes a direcção da 2ª série da revista A Águia. As decisões tomadas no encontro de Lisboa não agradaram ao poeta da Saudade que comunica a Álvaro Pinto o seu desagrado pela adulteração da sua ideia e tece algumas críticas aos que se reuniram na capital: Há muita gente obcecada por teorias científicas, sociais, etc., etc.! Há muita gente deslumbrada pelo falso fulgor que vem das nações da Europa! (...) Portugal pertence à Europa, é certo, mas tem qualidades próprias e originais capazes de realizar, depois de reveladas e definidas, uma grande civilização. Cortesão diverge também do texto proposto por Proença, não tanto em termos de conteúdo mas sobretudo pelas consequências, a possibilidade de ferir susceptibilidades, pedindo a Proença que aguarde em relação à redacção final do texto, procurando chegar a algum consenso, sem precipitações.
Os textos programáticos acabaram por não ser publicados na revista e procura-se redigir os estatutos da Renascença com os objectivos, ideias e actividades em que o grupo portuense e o da capital eram unânimes, embora Pascoaes não desista da sua cruzada pelo saudosismo no selo da Renascença. Estes projectos têm interesse para indagarmos como Cortesão se posiciona face a cada um deles. O primeiro, da autoria de Pascoaes, intitulado Ao Povo Português. A Renascença Lusitana, defende a obra patriótica que reúne um conjunto de indivíduos cheios de esperança e fé na nossa Raça, na sua originalidade profunda, no seu poder criador duma nova civilização. A verdadeira alma lusitana tinha vindo a perder o seu carácter, a sua fisionomia original e as suas forças vitalistas e criadoras devido às influências estrangeiras. Combater essas influências contrárias ao nosso carácter étnico era tarefa da Renascença de forma a conseguir a emergência de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo, que sejam essencialmente lusitanas, para que a alma desta bela Raça ressurja (...). Um nacionalismo romântico e espiritualista, um misticismo laico, que o levava a insistir na sagrada ideia que mobilizava aquela elite: o acordar na Pátria um novo alento criador de beleza, justiça e de bondade, definindo ainda os objectivos essenciais da Renascença Lusitana; dar ao povo uma educação lusitana e não estrangeira; uma arte e literatura que sejam lusitanas, e uma religião no seu sentido mais elevado e filosófico, que seja também lusitana. Religião enquanto ansiedade poética das almas para a perfeição moral, para a beleza eterna, para o mistério da Vida... A alma lusitana sentia esta ansiedade e a convergência ente paganismo e cristianismo de uma maneira singular, e isso era passível de ser detectado nas tradições populares, nas lendas e na obra de alguns artistas e poetas. É então que Pascoaes filia a Associação no movimento saudosista elegendo como a suprema criação sentimental da Raça, a Saudade, a verdadeira religião. As estratégias propostas para alcançar os objectivos passavam pela promoção de conferências, pela edição de livros e de uma revista, orgão da sociedade, intitulada Águia, aproveitando a revista já existente, como propusera Cortesão. Os dois textos comprovam o desencontro entre os dois comités, o de Lisboa e o do Porto, e profetizavam as dissidências ou o afastamento de alguns dos seus membros, Raul Proença e António Sérgio». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio, Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.

Cortesia de Edições ASA/JDACT