«As
tragédias da história revelam os grandes homens: mas são os medíocres que
provocam as tragédias. No começo do século XIV, a França é o mais poderoso, o
de mais densa população, o mais activo, o mais rico dos reinos cristãos, aquele
cujas intervenções são temidas, respeitados, a protecção, solicitada. E pode-se
pensar que se abre para a Europa um século francês. Que aconteceu, quarenta
anos depois, para que esta França fosse esmagada nos campos de batalha por uma
nação cinco vezes menos populosa, que sua nobreza se dividisse em facções, que
sua burguesia se revoltasse, que seu povo sucumbisse sob o excesso de impostos,
que suas províncias se desprendessem umas das outras, que bandos de salteadores
se entregassem à devastação e ao crime, que a autoridade fosse escarnecida, a
moeda, aviltada, o comércio, paralisado, a miséria e a insegurança se
instalassem por toda parte? Por que esta derrocada? O que, afinal, fez regredir
o destino? A mediocridade. A mediocridade de alguns reis, a sua vaidade
enfatuada, a sua incompetência nos negócios, sua inaptidão para se cercar de
assessores competentes, a sua displicência, a sua presunção, a sua incapacidade
de conceber grandes intentos ou somente prosseguir naqueles concebidos antes
deles.
Nada se
realiza de grande, na ordem política, e nada perdura, sem a presença de homens
cujo génio, carácter e vontade inspirem as energias de um povo. Tudo se desfaz
desde que personagens ineptas se sucedam no topo do Estado. A unidade se desfaz
quando a grandeza se desgasta. A França é uma ideia aceita pela história, uma
ideia espontânea que, a partir do ano 1000,
abriga uma família reinante, e que se transmite tão obstinadamente de pai a filho
que a primogenitura no ramo mais antigo toma-se rapidamente uma suficiente
legitimidade. O acaso, certamente, tem a sua parte, como se o destino quisesse
favorecer, através de uma dinastia robusta, esta recente nação. Da eleição do
primeiro Capeto à morte de Filipe, o Belo,
onze reis apenas em três séculos e um quarto, e cada um deixando um herdeiro
homem. Oh! Nem todos esses soberanos foram águias. Mas quase sempre ao incapaz
ou ao infeliz sucede imediatamente, como por uma graça do céu, um monarca de
grande estatura; ou ainda um grande ministro governa no lugar de um príncipe
fraco.
A
extraordinariamente jovem França quase perece nas mãos de Filipe I, homem de
pequenos vícios; de vasta incompetência. Sobrevêm então o corpulento Luís VI,
infatigável, que encontra, no seu advento, um poder ameaçado a cinco léguas de
Paris, e o deixa, ao morrer, restaurado ou estabelecido até aos Pireneus. O
inseguro, inconsequente Luís VII lança o reino nas desastrosas aventuras de
além-mar; mas o abade Suger mantém, em nome do monarca, a coesão e a actividade
do país. E assim a oportunidade da França, oportunidade que se repete, é ter em
seguida, repartidos entre o fim do século XII e o começo do XIV, três soberanos
de génio ou de excepção, cada qual servido por uma assaz longa permanência no
trono, quarenta e três anos, quarenta e um anos e vinte e nove anos, para que o
seu intento principal se torne irreversível. Três homens de natureza e de
virtudes bem diferentes, mas todos os três acima do comum dos reis.
Filipe
Augusto, forjador da história, começa, em torno e além das possessões reais, a
confirmar a unidade da pátria. São Luís, iluminado pela piedade, começa a
estabelecer, em torno da justiça real, a unidade do direito. Filipe, o Belo, governante superior, começa a
impor em volta da administração real a unidade do Estado. Nenhum deles teve o
empenho, antes de tudo, de agradar, mas o de ser diligente e eficaz. Cada qual
teve que absorver a amarga beberagem da impopularidade. Mas foram mais
lamentados após a morte, porque desacreditados, zombados ou odiados enquanto
vivos. E, sobretudo, o que tinham desejado começou a existir. Uma pátria,
uma justiça, um Estado: os fundamentos definitivos de uma nação. A França,
com esses três supremos artesãos da ideia francesa, saíra do tempo das
virtualidades. Consciente de si, afirmava-se no mundo ocidental como uma
realidade indiscutível e, desde logo, preeminente.
Vinte e
dois milhões de habitantes, fronteiras bem guarnecidas, um exército rapidamente
mobilizável, feudatários mantidos na obediência, circunscrições administrativas
muito bem controladas, estradas seguras, um comércio activo; que outro país
cristão pode nesse tempo se comparar com a França e não lhe ter inveja? O povo
se queixa, é verdade, sentindo sobre si a mão que julga com firmeza; lamentará
muito mais quando for entregue a mãos demasiado frouxas ou muito loucas. Com a
morte de Filipe, o Belo, de súbito, a
fractura. A longa oportunidade da sucessão está esgotada. Os três filhos do Rei de Ferro desfilam no trono
sem deixar descendência masculina. Contamos, precedentemente, os dramas que a
corte da França conheceu em torno de uma coroa várias vezes lançada no leilão
das ambições». In Maurice Druon, De como um Rei Perdeu a França, 1977, tradução Homero
Silveira, Gótica, colecção Cavalo de Tróia, 2007, ISBN 978-972-792-208-6.
Cortesia
de Gótica/JDACT