sábado, 26 de setembro de 2015

Noites de Núpcias. Na Cama dos Reis. Juliette Benzoni. «Os fiéis vinham, por vezes, de muito longe, mesmo de muito longe para aqueles que transportavam às costas as pesadas estátuas sob o sol implacável quando o transporte por via fluvial ou pelos canais era impossível»

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A noite de Babilónia
«Os raios ardentes de Shamash, o deus-sol, despediam-se pouco a pouco de Babilónia, levando com eles o calor abrasador. Porém, havia doze dias que a capital de Nabucodonosor permanecia num estado de loucura, loucura que atingiria, naquela noite, o paroxismo porque se estava no último dia das grandes festas do ano novo, celebrado todas as Primaveras no mês de Nisan. Os heróis das festas mais importantes do ano eram Marduk, deus da prosperidade, da fertilidade e senhor dos deuses e Ishtar, deusa do Amoq filha de Sin, o deus-lua e irmã de Shamash. E quando a noite descesse sobre a cidade, Marduk possuiria Ishtar na câmara-capela dourada que coroava os sete andares multicoloridos do Entemenanki, o maior zigurate de Babilónia, o zigurate do templo de Marduk, o Esagil.
Sob os raios declinantes do Sol, as cores que tingiam cada um dos andares da torre exaltavam-se e valorizavam-se entre si. O branco de Ishtar encorujava o negro de Adar, que por sua vez estimulava o púrpura profundo de Marduk. Depois, comprimindo-se sobre o andar inferior, vinham o azul-celeste de Nebu, o laranja-brilhante de Nergal, a doçura prateada de Sin e por fim o dourado fulgurante de Shamash. Não havia nada mais belo, para um coração babilónico, do que o Entemenanki, cujo esplendor se erguia entre o imenso quadrilátero do templo e o palácio do rei, adornado pela massa verdejante dos Jardins Suspensos, maravilha do mundo antigo. A via das Procissões e o Eufrates banhavam, de um lado e outro, os três edifícios, que por sua vez ocupavam o comprimento total da cidade, desde a porta de Urash à de Ishtar, palco nos últimos doze dias de cerimónias incessantes e faustosas porque todos os outros deuses das cidades e aldeias do império de Entre-os-Rios vinham prestar homenagem a Marduk, criador, destruidor, pleno de compaixão, piedade e, por sua ordem, de benevolência para com os deuses...
Os fiéis vinham, por vezes, de muito longe, mesmo de muito longe para aqueles que transportavam às costas as pesadas estátuas sob o sol implacável quando o transporte por via fluvial ou pelos canais era impossível. Porém, a sorte de tais escravos só atraía a piedade dos cativos que, escondidos por baixo dos três andares dos fabulosos Jardins Suspensos, accionavam sem cessar as imensas noras encarregadas de içar a água do rio até às luxuriantes maravilhas construídas por capricho de uma rainha lendária... Enquanto durassem as festas, os xilofones, as flautas, os tambores, as citaras, os címbalos e os sistros escoltariam os cortejos sagrados desde o rio ou das portas da cidade até ao adro do Esagil, ritmando as danças dos sacerdotes e das cortesãs sagradas, que se sucediam sem cessar. A maré de trajes brancos, amarelos e vermelhos, enriquecidos com os famosos bordados babilónicos cujo segredo se perdeu, invadia as ruas, os pátios e a grande via das Procissões. As jóias de ouro e prata brilhavam, mas menos do que as couraças polidas dos soldados de barba negra encaracolada, mais cerrada do que o astracã, vestidos com túnicas púrpura. A cidade, febril, transbordava de cor, sufocava devido aos perfumes e aos odores das cozinhas ao ar livre e naquela última noite embriagar-se-ia de amor..., e de vinho de tâmara.
À medida que a luz declinava, os olhares viravam-se de maneira irresistível para o alto do Entemenanki onde na última capela, que parecia suspensa do céu como uma jóia, uma virgem esperava entre um grande leito de marfim cheio de almofadas de seda e uma mesa de ouro puro, os únicos móveis da câmara divina. A jovem, envolta em véus para que ninguém lhe visse a beleza, reservada apenas ao deus, chegara quando o Sol começara a sua descida para o horizonte, transportada, como a estátua da própria Ishtar, aos ombros de um grupo cintilante de sacerdotisas do Amor. A liteira depositara-a na base do zigurate, em frente da escadaria que ia dar ao primeiro andar, o branco, e que ela subira sozinha, devagar, deixando cair o primeiro véu, também ele branco, no último degrau. Em seguida a jovem subira a escadaria negra de Adar e abandonara, no último degrau, o véu negro. O púrpura caíra-lhe dos ombros ao chegar à base do quarto andar, azul como o céu de Verão e o azul à entrada do terraço onde se erguia Nergal, o cor de laranja. Em seguida fora a vez do quinto. Por fim, lá no alto, contra o céu, a noiva do deus, silhueta delicada, prateada e depois dourada, pusera os pés no último terraço onde a esperavam os sacerdotes para a conduzir à câmara nupcial, na soleira da qual ela deixara cair o último véu para entrar nua e esperar, oferecida, aquele que havia de vir». In Juliette Benzoni, Na Cama dos Reis, Noites de Núpcias, 2010, tradução de Nuno Lorena, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2012/2013, ISBN 978-989-657-351-5.

Cortesia de PlanetaM/JDACT