Os Pilares da Igreja
«(…) Após o esqui do papa no monte Adamello, alguns da cúria rezaram
assim: … concede-nos, Senhor, a nós pobres filhos de Adão, voltar a descer
comodamente o Adamello em direcção a todas as metas desejadas. Ámen e assim se esquia. Sem um sistema democrático
onde exista oposição, a crítica tem um papel não facilmente controlável. Não é
aceite mas é observada, não obstante o risco que implica para a dignidade
pessoal, na base e no topo. É o preço que qualquer monarquia absoluta tem de
pagar quando as liberdades e os modos de proceder no interior do próprio meio
são calcados. O que se vive na dor é transformado numa comédia, com gozos
satíricos e perdões de maledicências.
Mors Tua Vita Mea
(A tua morte é a minha vida)
No Vaticano, como noutros lugares, há os que dão caça desapiedada a
irmãos monsenhores, com maldade e prazer sádicos em humilhar os antagonistas,
porque mors tua vita mea. O
arrivista ávido que quer queimar etapas, no momento em que esbarra com um
concorrente que se vangloria de mais apoios, considera-se com as asas cortadas.
Assim diminuído, começam a flanar à sua volta para lhe fazer a cama. Diz-se que
o cardeal Domenico Svampa respondeu a um carreirista que lhe perguntava como
fazer para subir: … quer-se
inteligência e um diabo que te carregue! E o pretendente respondeu-lhe:
… Eminência, eu disponho de inteligência,
e o senhor dispõe do diabo que me carrega.
Oitenta por cento do pessoal em serviço resigna-se ao pensamento de não
poder atingir as metas dos privilegiados; permanecem abandonados no anonimato
do formigueiro. São esses, exactarnente, os abandonados pelos ardilosos, ou, pelo
menos, colocados na salmoura da expectativa, aspirantes em permanente aspiração:
um conjunto de resmungões de mau humor.
Os outros vinte por cento
encaixa no desfiladeiro da subida ao poder, a passo de caracol, considerando-se
parte eleita, sacerdócio real, conquistadores. Todavia, estes felizardos em ascensão
para a liderança da Igreja, para eliminar o adversário na competição, têm necessariamente
de jogar cartas encobertas até ao fim. O aspirante, à medida que se avizinhado
horizonte ambicionado, refina a sua metodologia de competitividade, mistificando
simultaneamente a manha, a humildade interesseira, a hipocrisia e a humildade exterior.
Um mundo feito de rivalidades, cuja escala hierárquica se realiza suavemente com
verdadeiras batalhas, às cotoveladas, sem excluir os golpes. Os predestinados
para os primeiros níveis superiores, os que sobem a rampa, os favorecidos pela
cunha oportuna do protector carismático, os pretendentes ao topo mais alto possível,
são obviamente poucos e apropriam-se dos méritos dos outros atribuindo-os com desenvoltura
a si próprios. Não é para eles o que o Espírito Santo deixou escrito: Não procuremos a vanglória, provocando-nos
e invejando-nos uns aos outros.
Dizia V. Bukovsky: ali não haverá guerra mas haverá sempre uma
tal luta pela paz que, no fim, não ficará pedra sobre pedra. Se, neste
caso, se entende paz como uma arriscada dissimulação, o quietismo será uma lâmina
afiada que impõe tributos à consciência e à capacidade do subalterno da cúria, comprometido
na liberdade de se gerir. A indiferença do ambiente não concede espaço a gestos
de solidariedade com quem sofre prepotências e discriminações. Uma espessa multidão
de puritanos e cortesãos está atenta para evitar os irmãos aos quais se apontam
indícios de suspeita; então, o isolamento discrimina-os e o silêncio à sua volta
torna-se grave e pesado.
Quando se quer isolar alguém começa por se fazer terra
queimada à sua volta e a convivência com esse alguém torna-se difícil e sufocante.
Sopra um vento ligeiro, na folhagem, que ofende a dignidade da pessoa, comprimida
como que por um imponderável oculto. Toma corpo uma sensação de voragem que o
engole no alienante santuário da indiferença dos colegas, semelhante a uma
lapidação interior, sem poupar golpes, uma intinfada,
por culpas que passam em julgado sem ser provadas. Qualquer coisa começa, então,
a ceder dentro deles, surgindo frustrações, suspeitando das suas próprias capacidades
e de debilidades psicofísicas; começa a acusar-se de que a sua é uma pretensão nos
limites da presunção e da insubordinação. Persuade-se de que está constituído em
estado de fragilidade». In I Millenari, Via col vento in Vaticano,
Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto,
Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN 972-46-1170-1.
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