quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A Voz do Silêncio. Fernando Pessoa. Helena P. Blavatsky. «Os sábios não se demoram nas regiões de prazer dos sentidos. Os sábios não dão ouvidos às vozes musicais da ilusão…»

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Abalou-me a um ponto que eu julgaria impossível. In Fernando Pessoa

Aos Poucos
«(…) Quando ao tumulto do mundo a tua alma que desabrocha dá ouvidos; quando à voz clamorosa da grande ilusão a tua alma responde; quando se assusta ao ver as lágrimas quentes da dor, quando a ensurdecem os gemidos da angústia, quando a alma se retira, como a tartaruga tímida, para dentro da concha da personalidade, sabe, ó discípulo, que do seu Deus silencioso a tua alma é um sacrário indigno. Quando, já mais forte, a tua alma vai saindo do seu retiro seguro; quando, deixando o sacrário protector, estende o seu fio de prata e avança; quando, ao contemplar a sua imagem nas ondas do espaço, ela murmura: isto sou eu, declara, ó discípulo, que a tua alma está presa nas teias da ilusão. Esta terra, discípulo, é a sala da tristeza, onde existem, pelo caminho das duras provações, armadilhas para prender o teu eu na ilusão chamada a grande heresia.
Esta terra, ó discípulo ignaro, não é senão a triste entrada para aquele crepúsculo que precede o vale da verdadeira luz, essa luz que nenhum vento pode apagar e que arde sem óleo nem pavio. Diz a grande Lei: … para te tornares o conhecedor da personalidade total, tens primeiro de conhecer a personalidade. Para chegares ao conhecimento dessa personalidade, tens de abandonar a personalidade à não-personalidade, o ser ao não-ser, e poderás então repousar entre as asas da grande ave. Sim, suave é o descanso entre as asas daquilo que não nasce, nem morre, mas é o Aum através de eras eternas. Cavalga a ave da vida, se queres saber. Abandona a tua vida, se queres viver. Três salas, ó cansado peregrino, conduzem ao fim dos trabalhos. Três salas, ó conquistador de Mara, te trarão através de três estados até ao quarto, e daí até aos sete mundos, os mundos do descanso eterno.
Se queres saber os seus nomes, escuta-os e aprende-os. O nome da primeira sala é Ignorância, Avidya. É a sala em que viste a luz, em que vives e hás-de morrer. O nome da segunda sala é a Sala da Aprendizagem. Nela a tua alma encontrará as flores da vida, mas debaixo de cada flor uma serpente enrolada. O nome da terceira sala é Sabedoria, para além da qual se estende o mar sem praias de Akshara, a fonte indestrutível da omnisciência. se queres atravessar seguramente a primeira sala, que o teu espírito não tome os fogos da luxúria que ali ardem pela luz do sol da vida. Se queres atravessar seguramente a segunda, não pares a aspirar o perfume das suas flores embriagantes. Se queres ver-te livre das peias cármicas, não procures o teu guru nessas regiões mayávicas. Os sábios não se demoram nas regiões de prazer dos sentidos. Os sábios não dão ouvidos às vozes musicais da ilusão». In Helena Petrovna Blavatsky, The Voice of The Silence, A Voz do Silêncio, tradução de Fernando Pessoa, Editorial Presença, 2012, ISBN 978-989-8470-49-2.

Cortesia de Presença/JDACT