quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O Algarismo e o Número. O Número de Deus. José Corral. «A multidão desatou em aclamações que eram incitadas por alguns agentes de Berenguela, convenientemente distribuídos por entre aquela multidão. Fernando era um jovem atractivo e ajuizado»

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O Algarismo e o Número
«(…) Afonso de Leão, que nada sabia acerca da morte do primo, o rei de Castela, não suspeitou das intenções de Berenguela e permitiu que Fernando, de dezasseis anos, viajasse para Castela para se juntar à mãe. Por aquela ocasião, Berenguela já havia urdido todo o seu plano. Apoiada por vários nobres, a neta de Leonor de Aquitânia foi proclamada rainha de Castela em Valladolid, alegando para tal os seus direitos como filha primogénita do rei Afonso VIII, o vencedor das Navas. A cerimónia teve lugar em Valladolid, no dia 2 de Julho. Nessa mesma cerimónia, Berenguela renunciou à coroa de Castela e ante a multidão congregada numa esplanada junto a uma das portas da vila de Pisuerga cedeu os direitos ao trono ao seu filho Fernando, após um discurso em que assegurou que uma mulher podia transmitir o poder régio, mas não podia defender o reino das graves ameaças que sobre ele pairavam, e acrescentou que graças ao prudente conselho dos ricos homens considerava que o rei legítimo não era outro que não o seu filho Fernando. Nem sequer havia transcorrido um mês desde a morte do jovem Henrique.
A multidão desatou em aclamações que eram incitadas por alguns agentes de Berenguela, convenientemente distribuídos por entre aquela multidão. Fernando era um jovem atractivo e ajuizado. Quando o casamento dos pais foi anulado, o jovem infante permaneceu em Leão, ao lado do pai, se bem que de vez em quando viajasse até Castela para passar uma temporada com a mãe, a rainha Berenguela. Morto Henrique, Fernando era a única esperança de Castela em se manter independente de Leão. Os castelhanos viram no jovem Fernando o soberano capaz de fazer frente às ânsias anexionistas do ambicioso rei leonês. Aclamado por vários milhares de pessoas, o novo monarca entrou em Valladolid encabeçando um desfile de cavaleiros e escoltado por todos os ricos-homens de Castela. Na igreja de Santa Maria, os bispos de Burgos e Ávila rezaram um solene tedeum e Fernando, ajoelhado diante do altar da Virgem, deu graças a Deus e aceitou defender Castela e a fé cristã de todos os seus inimigos.
Quando se inteirou do engano urdido por Berenguela, Afonso de Leão sentiu-se burlado e ofendido, e convocou os nobres leoneses para o exército. Sem perda de tempo, penetrou em Castela e dirigiu-se pelo Douro até Valladolid. Inteirada de que o rei leonês se acercava, furioso, à frente do seu poderoso exército, Berenguela ordenou aos bispos Maurício de Burgos e Domingo de Ávila que saíssem ao seu encontro arvorando as cruzes episcopais e procurassem entretê-lo para ganhar tempo, poder fugir para Burgos e, a partir daí, organizar a defesa.
Os dois bispos encontraram-se com Afonso apenas a uma hora de caminho de Valladolid. O monarca leonês bramava como um touro furioso e não parava de clamar contra a sua antiga esposa Berenguela, a que chamava harpia e bruxa. Os prelados Maurício e Domingo tentaram acalmá-lo alegando que a sucessão ao trono se tinha realizado conforme o direito castelhano, e que era necessário evitar por todos os meios um confronto entre cristãos. Recordaram-lhe que o verdadeiro inimigo estava no Sul e não havia que desperdiçar forças em lutas estéreis entre castelhanos e leoneses, mas sim aproveitar a vitória sobre os muçulmanos almóadas, conseguida cinco anos antes nas Navas de Tolosa, para engrandecer os reinos de Castela e de Leão e com eles toda a cristandade. Mas Afonso de Leão não estava disposto a ouvir discursos de irmandade entre cristãos. Não era muito inteligente, mas o seu orgulho não tinha limites e sentia-se humilhado pela farsa que Berenguela havia tramado para elevar o filho de ambos ao trono de Castela». In José Luís Corral, El Número de Deus, 2004, O Número de Deus, O Segredo das Catedrais Góticas, tradução de Carlos Romão, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN 972-731-185-7.

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