«(…) Os estranhos calafrios que tinham
percorrido o corpo de Emily foram substituídos por pele de galinha. Um homicídio
em Carleton College era algo inaudito, mas o assassínio de um colega... A notícia
deixou-a assustada e em choque. Foi perseguido pelo corredor, acrescentou Aileen.
Havia sangue no exterior do gabinete. Não vi o interior. A sua voz tremeu; olhou
para Emily. Não deste conta que a polícia andava pelo campus? Emily, ficou paralisada
com a novidade. Havia reparado nas viaturas da polícia quando estacionara o
carro antes das aulas da manhã, mas não lhes dera importância. As forças da
ordem não eram uma presença invulgar ali. Não tinha ideia de que era por isso. Emilv
fez uma pausa antes de indagar: porquê o Arno? Não lhe ocorria que outra coisa perguntar.
Não é essa questão que me preocupa, retorquiu Emma Ericksen, a colega de Emil-v
em História das Religiões. E o que te preocupa?, quis saber Emily. Se atacaram e
assassinaram um dos nossos colegas aqui, no campus,
então quem é o próximo?
No exterior da sala de reuniões identificada
como 26 H, Burton Gifford entregou a pasta de couro a um empregado e lançou-lhe
um olhar que deixava claro o seu desejo de ficar a sós após a conclusão da
reunião matinal. Desviando-se enquanto os restantes homens abandonavam a sala e
percorriam o corredor em direcção à saída, ignorou os numerosos autocolantes de
proibido fumar e sacou de um Pall Mall sem filtro de uma cigarreira que
trazia no bolso superior do casaco e acendeu-o. Pertenceu à comissão consultiva
de política externa do presidente durante os dois anos em que este havia permanecido
no poder, sendo um leal apoiante do seu trabalho no Médio Oriente, apesar de o homem
no comando não partilhar do seu desejo de que se mostrasse mais agressivo, que negociasse
mais a reconstrução do pós-guerra. Tinha-se transformado num dos assessores mais
influentes, levando a cabo tarefas políticas e assegurando que o presidente
distinguia amigos de inimigos. Gifford vinha do mundo dos negócios, e os negócios
não eram senão um mundo de contactos. Gostava de pensar que o presidente estava
bem relacionado, ou menos bem relacionado, graças à sua sabedoria e influência.
E não estava de todo errado. Ele era o tipo que facilitava os contactos, e o presidente
a voz moral que depois os seleccionava.
Um homem chamado Cole permanecia imóvel
nas sombras. O seu rosto invisível esboçava desprezo pelo corpulento e influente
intermediário político, um homem poderoso de muitos contactos cujo aspecto evocava
a imagem de um gato gordo. Estava inchado fisicamente e na sua vaidade. Nada
mais existia senão aquilo que fosse relevante para os seus próprios desígnios. Era
um defeito pelo qual pagaria, hoje mesmo. Gifford deu uma longa passa no corredor
vazio, a beata meio fumada a pender dos seus lábios enquanto usava ambas as mãos
para compor o casaco. Cole escolheu esse momento para sair de um gabinete situado
do outro lado do corredor e assim aproveitar a distracção e a posição vulnerável
daquele homem. Agarrou-o pelos pulsos e, com um movimento único e suave, arrastou-o
de volta para a sala de reuniões. Que diabo está a fazer?, inquiriu Gifford, perplexo,
deixando cair o cigarro dos lábios.
Não faça barulho e isto será mais
fácil, replicou Cole. Manteve o sujeito preso com a mão esquerda enquanto com a
direita fechava tranquilamente a porta atrás deles. E agora sente-se. Atirou o homem
para uma das cadeiras recentemente desocupadas e situada em redor da enorme mesa
de reuniões. Gifford estava indignado. Aquele indisciplinado não só o tratara
com rudeza como lhe havia torcido o pulso. Fora de si, puxou as mãos contra o peito
e esfregou-as para aliviar a dor. Enquanto girava na cadeira para encarar o seu
atacante, pôs-se a arengar: aviso-o já, caro jovem, que não sou o tipo de pessoa
que fica sentada e aceita este… Abandonou o discurso retórico a meio quando deu
a volta por completo e conseguiu ver as mãos do seu agressor, que acabava de enroscar
o silenciador a uma Glock 32 de calibre .357 SIG. Sei perfeitamente quem
você é, senhor Gifford ,replicou Cole sem se dar ao trabalho de levantar a
cabeça. É por isso que estou aqui.
A cólera condescendente e a sensação
de superioridade de Gifford foram substituídas pelo terror e pela impotência. O
que..., o que quer?, indagou sem tirar os olhos da arma. Este momento, respondeu
Cole, que destravou a arma mal colocou o silenciador. Este momento é tudo o que
desejo. Não entendo, proferiu Gifford, horrorizado, empurrando instintivamente
a cadeira para trás, como se assim conseguisse alguma protecção contra a ameaça
que tinha diante de si. O que quer…, de mim? Apenas isto, respondeu Cole. Não
quero nada mais. Não se trata de um interrogatório nem de um rapto. Então, do que
se trata? Cole ergueu por fim o olhar e fixou-o nos olhos aterrados de Burton
Gifford. É o fim. Não..., não entendo. Sim, já imaginava que não ia compreender,
declarou Cole, e disparou três balas ao coração de Gifford, que acabaram com a conversa.
O ombro direito de Cole suportou o recuo da pistola e os disparos abafados pelo
silenciador ecoaram ligeiramente na enorme sala. Gifford ficou de boca aberta ao
ver o rasto de fumo sair do cano da arma donde foram disparadas as três balas que
se encontravam alojadas na parte superior do seu corpo. Abateu-se sobre a cadeira
quando o sangue começou a escorrer das feridas do peito e das costas. Cole viu-o
exalar o último suspiro e desapareceu nas sombras». In A. M. Dean, O Bibliotecário, A
Biblioteca Perdida, 2012, tradução de Dina Antunes, Clube dos Livros, Lisboa, 2014,
ISBN 978-989-724-124-6.
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