quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Um Mundo Sem Nós. Alan Weisman. «Podemos adivinhar o rebordo do comprido lago que se estendia ao longo do que é hoje a Rua 59, a norte do Hotel Plaza, com o seu braço de maré que ondeava por entre pântanos salgados até ao East River»

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A Cidade sem Nós
«A noção de que um dia a natureza possa engolir algo tão colossal e concreto como uma cidade moderna não é facilmente aceite pela nossa imaginação. A presença titânica de Nova lorque resiste aos esforços de a imaginarmos a desaparecer. Os acontecimentos de 11 de Setembro só mostraram o que podem fazer seres humanos com material explosivo, não processos básicos como a erosão ou o apodrecimento. O rápido e impressionante colapso das torres do Word Trade Center revelou-nos mais sobre os seus atacantes do que sobre as vulnerabilidades mortais que podem minar toda a nossa infraestrutura. E mesmo essa calamidade até aí inconcebível se confinou a alguns edifícios. No entanto, o tempo que a Natureza levaria a desfazer-se do que o urbanismo construiu pode ser muito menos do que se pensa. Em 1939, realizou-se uma Feira Mundial em Nova Iorque. O governo polaco enviou, para exposição, uma estátua de Wladislaw Jagiello. O fundador da Bialorwieza Puszcza não tinha sido imortalizado no bronze por ter preservado um pedaço de floresta primitiva seis seculos antes. Ao casar com a sua rainha, Jagiello tinha unido a Polónia ao seu ducado da Lituânia, formando uma potência europeia. A escultura retrata-o a cavalo, depois da batalha de Grünwald, em 1410. Triunfante, brande duas espadas capturadas ao último inimigo vencido da Polónia, os Cavaleiros Teutónicos da Cruz.
Em 1939, no entanto, os polacos não estavam a ter tanta sorte contra alguns descendentes desses Cavaleiros Teutónicos. Antes do fim da Feira Mundial, os nazis de Hitler tinham conquistado a Polónia, e a escultura não pôde ser devolvida à sua pátria. Seis tristes anos depois, o governo polaco ofereceu-a a Nova Iorque como símbolo dos seus corajosos e combativos sobreviventes. A estátua de Jagiello foi colocada no Central Park, sobranceira ao que hoje é conhecido como o Lago da Tartaruga. Quando o Eric Sanderson conduz uma visita através do parque, tanto ele como o seu grupo costumam passar pela estátua de Jagiello sem pararem, porque tanto uns como outros estão perdidos num outro século, o XVII. Com os seus óculos por baixo de um largo chapéu de feltro branco, a barba branca aparada em torno do queixo e um computador portátil guardado na mochila, Sanderson é um ecologista que trabalha para a Wildlife Conservation Society, uma equipa global de investigadores que trabalham para salvar de si próprio o mundo ameaçado. No seu quartel-general no Jardim Zoológico do Bronx, Sanderson dirige o Projecto Mannahatta, uma tentativa para recriar virtualmente a ilha de Manhattan como ela era quando a tripulação de Henry Hudson a viu pela primeira vez em 1609: uma visão pré-urbana que anima a especulação sobre como poderia ser um mundo pós-humano.
A sua equipa pesquisou antigos documentos holandeses, mapas militares ingleses da época colonial, estudos topográficos, e séculos de arquivos por toda a cidade. Testaram sedimentos, analisaram pólens fósseis, e introduziram milhares de bits de dados biológicos em softwares de imagem que geram panoramas tridimensionais de uma área selvagem densamente arborizada sobra a qual se justapõe uma metrópole. A cada entrada de uma espécie de erva ou árvore que seja historicamente confirmada numa parte da cidade, as imagens tornam-se mais pormenorizadas e mais convincentes. O objectivo é fazer um guia citadino, rua a rua, desta floresta fantasma, a única que Eric Sanderson parece constantemente divisar mesmo quando apanha autocarros na Quinta Avenida.
Quando Sanderson passeia pelo Central Park, consegue ver através do meio milhão de toneladas de solo aí colocados pelos que o conceberam, Frederick Law Olmstead e Calvert Vaux, para preencher aquilo que era sobretudo um pântano rodeado de arbustos. Podemos adivinhar o rebordo do comprido lago que se estendia ao longo do que é hoje a Rua 59, a norte do Hotel Plaza, com o seu braço de maré que ondeava por entre pântanos salgados até ao East River. A ocidente, podemos ver um par de linhas de água que desaguavam no lago e drenavam as maiores elevações de Manhattan, um trilho de veados e leões da montanha hoje conhecido por Broadway. Eric Sanderson vê água a correr por toda a cidade, muita dela provindo do subsolo. Já identificou mais de quarenta regatos e correntes que atravessavam o que foi um dia uma ilha rochosa e ondulada: na língua Algonquin dos seus primeiros habitantes humanos, o Lenni Lenape, Mannahatta referia-se a essas colinas hoje desaparecidas. Quando os projectistas de Nova Iorque impuseram no século XIX uma grelha sobre tudo o que estivesse a norte de Greenwich Village, dado ser impossível desfazer o nó das ruas originais para sul, agiram como se a topografia fosse irrelevante. Excepto alguns afloramentos de xisto maciços e inamovíveis no Central Park e na ponta norte da ilha, o terreno macio de Manhattan foi aplainado e lançado para os leitos das correntes, e depois nivelado para receber a cidade em crescimento». In Alan Weisman, Um Mundo Sem Nós, tradução José Barreto, Estrela Polar, 2007, ISBN 978-972-892-277-0.

Cortesia EPolar/JDACT