16 de Maio de 1902
«(…) Como julgo que
fallar do Japão a pachorrentos filhos da terra lusitana corresponde quasi ao mesmo
que referir-me a um paiz fabuloso, que fica alli para os lados da Lua ou de
Saturno, ajunto ao convite alguns conselhos de velho residente, úteis,
porventura, aos meus compatriotas; mas isto não vai a matar, bem entendido, ficando,
pois, os conselhos para a correspondência próxima.
29 de Maio de 1902
Conselhos aos
portuguezes que visitem a exposição de Osaka. Inauguração do edifício da
perfeitura.
Prometti, n’uma das
correspondencias anteriores, apresentar aqui alguns conselhos aos portuguezes que
queiram visitar a próxima exposição de Osaka, debaixo de um ponto de vista
commercial. Seguem os conselhos; mas convém antes notar que não me dirijo aos
grandes ricaços, pois estes não carecem de conselhos; imagino que um empregado
intelligente e de confiança é mandado ao Japão por uma ou mais das nossas casas
mercantis, com o fim de estudar o commercio de exportação e de importação, e
necessariamente com instrucções para ser económico nos seus gastos.
Pagam a um tal
empregado, necessariamente, as viagens de ida e volta; note-se que a linha japoneza
que parte de Londres, é a mais barata e bastante confortável. O empregado que
estou imaginando, desembarcará em Kobe, d’onde lhe é fácil visitar attentamente
a exposição de Osaka, seguindo depois para outros centros, Kyoto, Nagoya, etc.,
até Yokohama e Tokyo; sem duvida alguma, as indicações do nosso cônsul em Kobe,
por certo não regateadas, lhe serão utilíssimas. Conte com uma despeza diária
não inferior a uma e meia libra sterlina, e que a sua estada no Japão pode
durar dous ou três mezes.
Deve vir munido com
pequenas mas variadas amostras dos nossos productos, vinhos, cortiças,
conservas, azeites, e melhor ainda se também dos nossos artigos coloniaes,
marfim, borracha, café ; amostras deverá distribuir por algumas firmas
respeitáveis de Kobe e de Yokohama, não com grande mira em lucros immediatos, mas
principalmente com o fim de tornar bem conhecidas no meio as nossas boas
producções, sobre as quaes apresentará todos os esclarecimentos requeridos. Mas
não basta isto: cuidando do assumpto da exportação dos nossos productos, pode
cumulativamente estudar o da importação dos productos japonezes. Eu não me illudo:
não espero que se encha o Japão, mesmo em momento tão propicio, de comerciantes
portuguezes; um que venha, com o duplo intuito que apresento, já pode fazer
muito. Venha, pois, habilitado com um credito de dous ou três contos de réis,
ou mais, exclusivamente destinados á compra de amostras dos mil artefactos da
industria local, os quaes, estou bem certo, serão recebidos com alvoroço nas
nossas cidades de Lisboa e Porto, e permittirão aos negociantes o ensejo de
mais tarde fazerem para cá os seus pedidos com conhecimento de causa.
O individuo
commissionado, seguindo sempre quanto possível as indicações desinteressadas dos
nossos cônsules no Japão, terá oportunidade de relacionar-se com muitas firmas
japonezas e estrangeiras, o que será da mais alta utilidade. Ora, pois, com os
conhecimentos adquiridos pela própria experiência, com a sua bagagem de amostras
e também… com o espirito um pouco enfeitiçado por esta terra, regressará aos
pátrios lares, terá feito um grande beneficio ao commercio portuguez e contará
certamente aos seus amigos que o Japão não é bem o paiz fantástico que
imaginava, povoado de monstros budhistas, de adaga em punho para cortarem a cabeça
aos imprudentes que d’este solo se avisinham. É facto que ha mais de 300 annos
muitos dos nossos tiveram esta sorte; mas Mendes Pinto, que chegou primeiro,
foi rodeado de carinhos; e Xavier, o apostolo, dizia do Japão que era o paiz do
seu agrado. Desculpem-se-me gracejos; é feitio». In Wenceslau de Moraes, Cartas do
Japão, Antes da Guerra (1902-1904), prefácio de Bento Carqueja, Livraria
Magalhães & Moniz, Editora, Oficinas do Comércio do Porto, Porto, 1904.
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