«A figura lendária e mítica do rei
de Tebas, Édipo, é evocada por Homero na Odisseia,
quando Epiocasta (Jocasta) narra no Hades o seu destino; duas epopeias de
que se regista apenas o nome, Edipodeia e Tebaida, relatam
os acontecimentos do infortúnio dos reis de Tebas. Tem-se igualmente notícia de
que o tema foi tratado em tragédias de Esquilo (na tetralogia Laio. Édipo,
Os Sete contra Tebas, A Esfinge) e de Eurípides, mas só se conservam os
textos Os sete contra Tebas
de Esquilo, Rei Édipo (428
a.C.) , Édipo em Colono (406
a.C.) e Antígona da
autoria de Sófocles, as Fenícias e
as Suplicantes de Eurípides. A estrutura de Rei Édipo, a revelação em
poucas horas dos crimes cometidos fazem
desta tragédia uma modelar tragédia de
destino.
O mito e a lenda em volta do rei
de Tebas foram tratados por Séneca, posteriormente na Idade Média (Roman
de Thébes, séc.XI), mas o tema foi essencialmente redescoberto na época
do Renascimento; com Corneille o tema (Thésé)
entra na literatura francesa e conhece grande divulgação em especial no século
XVIII, também como drama musical. Na literatura alemã o destino do rei Édipo é
tratado por Hugo von Hofmannsthal, que apresenta como que a história prévia da
verdadeira tragédia no drama intitulado Édipo e a Esfinge, objecto
da análise que nos propomos apresentar.
O tema tratado na perspectiva
dionisíaca é várias vezes retomado no nosso século: refira-se J. Cocteau (La
machine infernale (1934)), a oratória de Strawinskij Oedipos Rex (1928)
e André Gide. A tragédia Édipo e a Esfinge de Hugo von Hofmannsthal
afasta-se do modelo de Sófocles pela valorização da história prévia à
consumação da verdadeira tragédia de Édipo e de Jocasta, e porque a tragédia de destino se transforma na
versão do poeta vienense num estudo psicológico. O texto abre com o regresso
de Delfos do príncipe de Corinto, Édipo, caracterizado como uma figura pálida , perturbada, como um fugitivo
que finalmente os criados reencontram no percurso de um desfiladeiro. O criado mais
velho Phõnix, que se revela ser o confidente e o próprio aio de Édipo, desvenda
as razões da perturbação que se apoderara de Édipo em Delfos e as ordens
expressas do jovem príncipe.
Phõnix
(inclinando-se)
Por isso pergutámos:
de que nos serve este anel real
que o nosso amo nunca tirou do
dedo?
Então falou: levaio-o convosco e
preservai-o bem,
até chegardes junto de Políbio, o
rei;
a ele entregais o anel e haveis
de dizer-lhe:
esse to envia Édipo, o teu filho,
ele te saúda
e saúda a mãe, a nossa rainha,
e saúda Corinto, a cidade pois a
ti, ó rei,
e à tua rainha e à tua cidade,
os três, que ele chamou de pai e
mãe
e pátria não mais os seus olhos
verão.
Édipo, o teu filho, não mais
regressa,
que o anel o confirme.
É pungente a despedida dos
criados, as cenas de fidelidade destes para com o príncipe de Corinto, cidade
que Édipo não pode voltar a ver. Édipo está como que possesso, torna-se
violento até que respirando com
dificuldade se volta para o criado e aio, clamando:
Ajuda-me,
Phõnix
Ε ouvimos pela primeira vez o que
o oráculo falou. Agora se entende a profunda mudança operada desde Delfos,
ainda que o segredo do oráculo não seja de momento revelado. Mas, como que em
transe, Édipo recorda o episódio na corte em que foi chamado de criança adoptada. Questionados pelo jovem
príncipe, os reis de Corinto juram que Édipo é seu filho.
Édipo
(...) e o rei Políbio, o meu pai,
cujo corpo
eu nunca toquei, pela primeira
vez na vida
lançou os braços em volta do meu
pescoço
e apertou a minha fronte contra o
seu peito
e por sobre o leito a mãe prendeu
a minha mão.
A dúvida , porém, persiste e por
isso a visita ao oráculo de Delfos. Na reconstituição das cenas do oráculo, o
leitor/espectador entra no mundo irracional, dionisíaco: o relato vago de
Édipo, invocando os sacerdotes, a pítia, o sonho com um mar de sangue em que a alma mergulha sem encontrar fundo, o
assassinato de um homem que não é capaz de reconhecer, porque tem o rosto
coberto. Depois de muito instado, Édipo revela as palavras do oráculo.
Édipo
(...) assim falou o deus da boca
retorcida
da mulher em transe: o prazer
do assassinato
expiaste-o no
pai, expiaste na mãe
o prazer do
abraço, assim foi sonhado,
e assim vai
acontecer.
Para o confidente, a resposta é
dúbia e faz ver a Édipo que o teor do oráculo não é verdadeiramente a resposta
à pergunta que, afinal, nem chegara a formular. Mas para Édipo, o oráculo não
deixa dúvidas, porque responde a um segredo íntimo que nunca antes desvendara.
O tom de confidência prossegue e o criado e aio vai ouvir com espanto que Édipo
nunca tomara mulher para si, porque se guardava para sua mãe. Aqui entra um
tema tão ao gosto da geração finissecular, o complexo de Édipo,
formulado por Sigmund Freud. A atracção obsessiva do jovem príncipe por sua
mãe, a rainha de Corinto, é-lhe assim confirmada pela voz da pítia em transe.
Por isso, e também porque a vida do pai está em jogo, Édipo está decidido a não
regressar a Corinto». In Ludwing Scheidl, Édipo e a Esfinge, Um
Estudo Interpretativo, Revista Humanitas, volume XLIX, 1997, Universidade de
Coimbra.
Cortesia da UCoimbra/JDACT