Pedro V e dona
Estefânia
«(…)
Todavia, esse era o infante Luís. Pedro só conheceria uma mulher, aquela que
ali estava ao lado dele, no altar da Igreja de São Domingos, a 18 de Maio
de 1858, um dia depois de chegar a Lisboa,
para a celebração oficial de uma união formalizada e assinada por procuração algumas
semanas antes, na Alemanha. Os olhos muito azuis da rainha reluziam ao cimo do vestido
branco, cortado ao meio pelas flores de laranjeira que segurava nas mãos. Lá fora,
um dia glorioso de Primavera contradizia uma estação que, até então, só trouxera
notícias de chuva, vento e temporais, como que o certificado cósmico da justeza
daquele casamento; de como trouxesse, talvez, o advento dum tempo novo, melhor.
E cá fora a multidão esperava para abençoar também aquela união, seguir o cortejo
da igreja ao Palácio das Necessidades e, no caminho, medir a rainha. Assegurar-se,
num juízo instantâneo e cabal, de que o seu Rei
Santo, ficava bem entregue.
E
como chegara ali aquela princesa prussiana? Como quebrou dona Estefânia a solidão
melancólica de Pedro V? Há quem diga que se tinham conhecido e apaixonado anos antes,
em Düsseldorf, numa das viagens de Pedro
pela Europa. Teriam ambos então 17 anos e o episódio ajudaria a explicar o desinteresse
do rei pelas outras mulheres que lhe apresentavam. Mas a versão oficial diz que
a primeira vez que se encontraram de facto, olhos nos olhos, foi aquela num cais
de Lisboa, na véspera do casamento, quando deram as mãos e trocaram lágrimas e silêncios.
Nesta segunda hipótese, o caminho que os levou um ao outro foi longo e deu a volta
por Londres... Desde a primeira visita a Buckingham, Pedro V mantinha-se em
contacto com a rainha de Inglaterra. Vitória gabava-lhe a beleza e o carácter.
Gostava de o casar com uma das filhas e terá confessado a amigos que só as diferentes
igrejas a que pertenciam a impedia de o tentar fazer. Não podendo ser sua sogra,
investiu-se do papel de madrinha, ocupando-se da tarefa de lhe encontrar uma
noiva. E foi nessa missão que descobriu a segunda filha do príncipe Carlos António
e da princesa Josefina Frederica de Hohenzollern-Sigmaringen. As informações
que recebera traçavam um perfil próximo do daquele amigo português: uma jovem instruída
e delicada, da mesma idade do que ele, com talento para as artes e as línguas, incluindo
o português, que vivera até aos 12 anos no Castelo de Sigmaringen e acompanhara
depois o pai, comandante duma divisão do exército prussiano, por Dusseldorf,
Weinburg e Berlim.
Data de 28 de Abril de 1857 uma carta de Pedro V à rainha Vitória
agradecendo-lhe o empenho na questão e o retrato que enviara daquela
encantadora princesa de Hohenzollern. Não era apenas a beleza que nela lhe agradava;
era, sobretudo, a descrição que lhe fazia dela: os modos simples, a delicadeza,
a sensibilidade humanista. Três meses depois, por intermédio do conde do Lavradio,
já o rei de Portugal pedia ao príncipe Carlos António a mão da sua segunda filha.
Em Abril do ano seguinte, casavam por procuração. No caminho para Lisboa, pedir-lhe-iam
que fizesse um pequeno desvio: a rainha Vitória insistia em conhecer Estefânia
pessoalmente, antes mesmo do próprio noivo. Viajando por Ostende, Dusseldorf,
Bruxelas e Dover, a nova rainha de Portugal chegava ao Palácio de Buckingham, a
6 de Maio. Ali, passa cinco dias na companhia do pai, do irmão Leopoldo e de Vitória,
que confirma a intuição inicial e manda partir uma esquadra naval que escolte a
noiva de Pedro até ao desembarque em
Lisboa.
Nos
meses seguintes, o habitualmente circunspecto rei de Portugal não se inibirá de
escrever por diversas vezes aos reis britânicos para lhes agradecer a dedicação
e confessar a vida jubilosa que vivia ao lado de dona Estefânia. E eis-nos de
regresso à igreja de São Domingos. Os noivos saíam agora para o cortejo até ao paço
entre os vivas da multidão. De repente, uma pequena nota dissonante. Uma
minúscula imperfeição naquele quadro imaculado. Uma gota de sangue descia pelo rosto
branco da rainha. Uma ferida causada pelo diadema que as aias se apressaram a trocar
por uma coroa de flores. Um incidente casual, insignificante, onde, no entanto,
os supersticiosos se apressaram a ler um significado: mau presságio, disseram. Mau
presságio. Mas o Sol brilhava demasiado naquela manhã. Pedro e Estefânia formavam um quadro demasiado perfeito para que a alegria
de estar ali, a viver aquele momento, pudesse ser diminuída por qualquer profeta
da desgraça. O desfile seguiu e, com ele, a renovada capacidade de sonhar de um
país». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das
Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
Cortesia
de CdasLetras/JDACT