terça-feira, 8 de setembro de 2015

O Algarismo e o Número. O Número de Deus. José Corral. «Enquanto reinou o jovem Henrique, foi o nobre Álvaro Nuñes Lara quem de facto se encarregou do governo de Castela. Chefe de uma das famílias mais influentes e poderosas do reino, esta personagem exercera como verdadeiro soberano…»

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O Algarismo e o Número
«(…) Olha, disse-lhe Arnal indicando um a zona da parede pintada de azul, o azul é uma cor fria e o vermelho é quente. Mas não queima, disse Teresa. Não, não queima, mas dá a sensação de calor. Repara nestas cenas. Arnal levou a filha para um lado do andaime. Nesta abside central da catedral um grande fresco representava a coroação da Virgem rodeada por anjos músicos. Observa como alternam peças de cores vermelha e azul nas roupas destas figuras. Parece que as azuis estão mais longe e dá a impressão de as vermelhas estarem muito mais perto. Pintamo-las assim para que se vejam as figuras como se tivessem relevo, como se fossem esculturas. Se não observares bem, semicerra um pouco os olhos e olha de novo. É verdade!, exclamou a menina. Bem, não passa de um truque. Há muitos outros; se gostas de pintar, ensinar-tos-ei todos. Sim, sim!, gritou Teresa um tanto excitada. Mas a seu tempo. Se queres ser pintora, deverás preencher todos os requisitos. Eu ajudar-te-ei mas, sobretudo, tem de ser coisa tua. Compreendes? A menina assentiu com a cabeça. Bom, agora é altura de descansares. Quero pintar mais, disse Teresa. A seu tempo, minha filha, a seu tempo, tudo a seu tempo.
O jovem soberano Henrique de Castela estava a brincar com vários rapazes da sua idade, filhos de nobres e das altas dignidades do reino. Herdeiro do grande Afonso VIII, o vencedor de Navas de Tolosa, e de Leonor de Inglaterra, tinha apenas dez anos de idade quando foi proclamado rei, após a morte dos pais. Aos treze anos era um rapaz bem-parecido, de compleição forte e rosto delicado. Pelas veias fluía-lhe o sangue da sua avó, a bela duquesa Leonor de Aquitânia, a mulher mais famosa da última centúria, rainha de França, primeiro, e de Inglaterra depois, e tinha o nome do avô, o rei Henrique II de Inglaterra, o soberano mais ousado, ambicioso e temerário do século anterior. Foi um acidente. Soltou-se uma telha do beiral e foi bater na cabeça do jovem rei Henrique, enquanto brincava com uns rapazes, produzindo-lhe uma gravíssima fractura de crânio. Os médicos judeus da corte de Castela tentaram salvar a vida do monarca e fizeram-lhe inclusivamente uma trepanação, procurando estancar a maltratada massa encefálica, mas nada puderam fazer pela sua vida. O jovem soberano de Castela morreu aos treze anos de idade deixando o reino sem um herdeiro varão à frente.
Naquele ano de 1217 havia já sessenta anos que Leão e Castela se tinham separado. Foi à hora da morte que o rei Afonso VII, chamado o Imperador, dividiu os seus domínios em dois e os entregou aos dois filhos: deu Castela a Sancho e a Fernando, Leão. Enquanto reinou o jovem Henrique, foi o nobre Álvaro Nuñes Lara quem de facto se encarregou do governo de Castela. Chefe de uma das famílias mais influentes e poderosas do reino, esta personagem exercera como verdadeiro soberano, durante a infância de Henrique, apoiado pelas todo-poderosas ordens militares. Falecido o seu irmão Fernando, apenas várias irmãs tinham sobrevivido ao malogrado rei Henrique; Berenguela era a mais velha. Nascida alguns anos antes dele, casara-se com o rei Afonso de Leão, homem ambicioso e de forte carácter, que também aspirava à coroa de Castela. Desse casamento real haviam nascido vários filhos, mas na Primavera de 1204 o papa Inocêncio III declarara-o nulo, pois os dois cônjuges eram aparentados em linha directa; o avô de Berenguela de Castela e o pai de Afonso de Leão eram irmãos.
Um dos filhos do rei de Leão e de Berenguela de Castela chamava-se Fernando. Era três anos mais velho que o seu tio Henrique e o favorito de Berenguela. Um cavaleiro anunciou a Berenguela que o seu irmão, o rei Henrique, tinha morrido. Os médicos nada puderam fazer pela sua vida, minha Senhora. Tinha os ossos da cabeça partidos e os miolos destruídos. O cirurgião judeu fez quanto pôde e submeteu o rei a uma operação ao crânio, mas Sua Majestade faleceu. Escuta. Há que manter em absoluto segredo a morte do rei. O meu antigo esposo, Afonso de Leão, mais que qualquer outra coisa, deseja anexar Castela e isso não deve acontecer. Mas, Senhora, interveio o cavaleiro, Castela não pode ficar sem rei. E não ficará. Parte imediatamente para as terras de Leão e apresenta-te diante do rei. Serás portador de uma carta pessoal minha em que lhe vou solicitar que permita que o meu filho Fernando venha passar uma temporada comigo. Dir-lhe-ás que há tempos que não o vejo e sinto saudades da presença dele. E, sobretudo, não reveles que o rei Henrique morreu. O rei de Leão estava por aqueles dias na vila de Toro com o filho Fernando e as infantas Sancha e Dulce, por sua vez filhas da primeira mulher, a infanta dona Teresa de Portugal, cujo casamento também fora anulado pela mesma razão de consanguinidade». In José Luís Corral, El Número de Deus, 2004, O Número de Deus, O Segredo das Catedrais Góticas, tradução de Carlos Romão, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN 972-731-185-7.

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