domingo, 6 de setembro de 2015

Estudo Morfológico da Cidade de São Tomé. Teresa Madeira. «… cada um dos lotes urbanos passa a ter uma única frente virada para a rua (...) os lotes que os compõem ou se organizam costas com costas ou dão para as quatro ruas que definem o perímetro do quarteirão»

São Tomé 
Cortesia de wikipedia

A Cidade Renascentista Portuguesa
«(…) Durante os séculos XV e XVI os grandes contributos para a história do urbanismo em Portugal são bastante mais significativos ao nível da reforma, alteração ou expansão de cidades existentes, do que da fundação ou criação de novas cidades no continente. Apesar de não se constituírem novas cidades no continente as preocupações urbanísticas verificam-se. Nesta altura, estas iriam fundamentalmente no sentido da criação de regras que regulamentem a vida urbana das cidades existentes. Percebe-se igualmente uma intenção deliberada de planeamento relativamente aos núcleos urbanos já consolidados que se reflecte, na valorização estética da cidade e na inovação dos traçados. Durante o período de Manuel as preocupações de carácter sanitário, estético e funcional tornam-se relevantes, transformando por vezes a imagem da cidade. Em 1521 surgiu um conjunto de normas, as Ordenações Manuelinas, bastante ampliadas em relação às anteriores, 1447, Ordenações Afonsinas, e também uma série de posturas, cartas, etc., que por vezes reflectiam esse novo tipo de preocupações e tornavam possível a renovação a nível urbano. Ao nível da arquitectura um novo tipo de prática que excluía do seu vocabulário, balcões, varandas, avançados, consolas, etc. deu origem a um tipo de alçado praticamente sem saliências e cuja consequência em termos urbanos foi no desimpedimento das ruas. Este conjunto de preocupações está bem patente no Livro das Posturas Antigas da cidade de Lisboa.
Tem grande significado para a evolução urbana das cidades portuguesas o facto de nesta altura começar a haver contactos de Portugal com o renascimento italiano. A influência do desenho renascentista, presente nos tratados de Alberti (1452), Filarete (1460/65), Viturvio (reeditado em 1511) e Palladio (1556), imprime às cidades um sentido de modernidade patente em reformas e ampliações de algumas cidades portuguesas. A nível do traçado urbano, neste período podemos detectar a consolidação das características apontadas para a cidade medieval e a existência de novas formas relativas à morfologia urbana e aos modos de pensar as cidades e que corresponde ao período que podemos designar como renascentista. Nesta época, vulgariza-se a utilização de modelos urbanos regulares, tanto no caso de reformas de povoações pré-existentes, como no caso de fundações de novas cidades tanto em África, como no Brasil e na Índia. Com alguma influência do desenho renascentista, a regularidade das malhas persiste, no entanto esta demonstra um novo sentido de modernidade, expressão de uma nova atitude para com a cidade. Segundo Manuel Teixeira, a nível da estrutura dos quarteirões e da estrutura do loteamento, cada um dos lotes urbanos passa a ter uma única frente virada para a rua (...) os lotes que os compõem ou se organizam costas com costas ou dão para as quatro ruas que definem o perímetro do quarteirão. Segundo a mesma fonte, a nível de intervenções na cidade o urbanismo renascentista adoptou três tipologias urbanas fundamentais que foram utilizadas extensivamente nas suas intervenções:
  • a rua com um traçado rectilíneo e ordenado;
  • as praças fechadas e regulares;
  • e as malhas urbanas ortogonais.
A nível do desenho e da composição urbanas, a mesma fonte refere que as estratégias utilizadas incluíam a simetria, referida a um ou mais eixos; a utilização da perspectiva e o fechamento de vistas através da colocação de edifícios, monumentos ou elementos urbanos significativos no enfiamento de ruas ou de grandes eixos; a utilização do mesmo tipo de elementos como pontos focais de praças, ou de espaços urbanos que se viriam a estruturar como praças em torno desses elementos; [e] a integração de edifícios individuais em conjuntos arquitectónicos harmónicos, muitas vezes através do ordenamento e da repetição das fachadas. Para além das novas tipologias adoptadas nas malhas das novas extensões urbanas e de uma nova atitude perante a composição e o desenho urbanos, em termos práticos o processo de modernização das cidades reflectiu-se na reforma dos espaços públicos das cidades, (como, por exemplo, no reordenamento de terreiros e largos mal definidos) e na construção de um número significativo de edifícios institucionais como por exemplo, casas da câmara, misericórdias, hospitais e novas igrejas matrizes. Neste sentido Rossa refere, os rossios, terreiros ou largos junto às portas das cidades, por regra sempre exteriores, mas com excepções como Setúbal, foram gradualmente reformados em praças onde frequentemente se construiu de novo a casa da Câmara. Nas novas praças, ou por perto, implantou-se o quipamento/instituição urbano de invenção mais recente e exclusiva, a Misericórdia. Esta deve ser entendida como um conjunto de igreja, zona administrativa e todas as dependências assistenciais que eram a essência do seu funcionamento, hospitais e albergarias». In Teresa Madeira, Urbanismo, Comunicação apresentada no Colóquio Internacional Universo Urbanístico Português, 1415-1822, Coimbra, 1999.

Cortesia de Wikipédia/JDACT