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O banquete de Adrianópolis. Março de 1305. Constantinopla
e Adrianópolis
«Antiga cidade da Trácia, actual Edirne,
na Turquia europeia. Em 1361, 56 anos depois destes factos, Murad I conquistou-a
aos cristãos bizantinos, transformando-a, então, em capital do Império Otomano.
O céu vermelho e tardio de Constantinopla,
pintalgado por um bando de nervosos corvos pretos, que crocitavam com o vigor dos
infernos, era a abóbada com que o cosmos cobria Roger de Flor e Maria da Bulgária,
na despedida. Nunca pensei que amaria tanto um homem como tu! Maria alisava, com
carinho, os cabelos negros e compridos do marido, afagados pela brisa que
soprava o perfume primaveril do Bósforo. A jovem princesa casara com o comandante
da Companhia dos Almogávares [do árabe al-mogavar, o que faz algaras ou
corridas; feros guerreiros cristãos de fronteira que combateram os muçulmanos na
Reconquista peninsular e, quando esta terminou, fora da Península Ibérica; a fama
da Companhia de Almogávares aragoneses-catalães-valencianos estendeu-se até ao Oriente
(Império Bizantino), onde foram protagonistas de uma epopeia sem precedentes, que
durou entre 1302 e 1388; em permanente inferioridade numérica, alcançaram
vitórias assombrosas sobre os exércitos turcos] por imposição do tio, o imperador
bizantino Andrónico II Paleólogo. O que começara por ser uma condição, entre
outras contratadas, para que ali viesse correr com os turcos, que metiam ferro e
fogo nas cidades de fronteira, transformara-se em cúmplice e deleitada afeição.
Meu Megas Duox (o quarto cargo em importância depois do próprio imperador
dentro da alta hierarquia político-militar no Império Bizantino), não vás para Adrianópolis!
Ouve o que te diz Berenguer: ele não confia em Miguel, e eu tenho um mau pressentimento...
Roger acariciou-lhe com ternura a barriga crescida,
onde se agasalhava o rebento já com mais de três meses de gestação, e beijou, meigo
e carinhoso, a testa suada da esposa. A tensão e o temor emergiram-lhe, líquidos,
à alva pele. Esta criança há de ser muito importante...! Muito importante, Maria...!
Eu sei, meu amo. Haverá de ser baptizada segundo o rito romano! Atrás de um
olhar triste, Maria lembrava-se que nascera ortodoxa, filha de Irene, a irmã do
imperador, e do destronado João III Asen da Bulgária. Contudo, depois do casamento
forçado com o católico Roger de Flor, convertera-se em segredo à religião do marido,
uma prenda por tantos afectos. Toma cuidado, muito cuidado; sobretudo com os
alanos. Diz-se que conjuram contra ti..., e, agora que te conheci, não quero
mais perder-te..., nunca mais! O homem que chegara da Sicília para
defender os bizantinos e aterrorizar os turcos era filho de Ricardo de Flor,
falcoeiro do imperador romano-germânico Frederico II Hohenstaufen e de uma jovem
de Brindisi, cidade da península italiana, onde nasceu e cresceu até aos oito anos.
Morto o pai, caiu a família em desgraça. Roger foi, então, levado, com a bênção
da mãe, por um barco templário, ao tempo fundeado no porto da cidade. E o meu primo
Miguel..., esse tem tanta inveja e tanto medo de ti, meu esposo!..., avisou, com
a face encostada ao peito moreno, e envolvida por uns braços musculados, habituados
a tantas invictas lutas. E cobiça tudo o que te diz respeito... Eu sei disso, Maria.
Mas eles sabem que eu sei defender-me... Roger compreendia a aflição da esposa.
Mas, até àquele dia, transportara permanentemente consigo a intensa energia de um
ente sobre-humano que conheceu as maiores potestades e as mais profundas misérias.
Depois da derrota cristã, em S. João do Acre, o último bastião das conquistas cruzadas,
Roger de Flor dirigiu-se para a Sicília, onde ajudou os reis aragoneses a libertarem-se
da Casa de Anjou. Feito comandante da Companhia dos Almogávares, foi chamado a Bizâncio
para ajudar o imperador Andrónico a rechaçar a perigosa ameaça turca que mordia
os calcanhares da Nova Roma (Constantinopla, para além de Bizâncio e, mais
tarde, Istambul, foi conhecida por Nova Roma; o bispo de Constantinopla tem a primazia
de honra imediatamente depois do bispo de Roma, pois Constantinopla é a Nova Roma,
segundo o Cânone III do Concílio de Constantinopla, do ano 381). À frente das milícias
almogávares, derrotou e aniquilou, durante cerca de três anos, todos os exércitos
turcos que lhe apareceram pela frente. As batalhas do Cabo Artaqui, de Aulax e do
Monte Tauro tornaram Roger de Flor um mito vivo, quando, sempre com menor
número de tropas, destruiu os inimigos e semeou o terror no seio dos
estandartes do Islão. Mas ninguém conhecia o seu segredo... Ainda por cima, não
te esqueças que os brutos mercenários alanos têm os poderosos e privilegiados genoveses
como aliados... Maria puxou para si o esposo, encostando-se, ambos, a uma mesa,
peito contra peito. E até o próprio Patriarca os protege! Ai, Roger, não me imagino
agora sem ti...! Um olhar ternurento e suplicante cingiu Roger de Flor àquela
que desposara». In Alberto S. Santos, A Profecia de Istambul, Porto Editora, 2010, ISBN
978-972-004-103-6.
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PEditora/JDACT