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O
impulso dos Descobrimentos foi dado por um homem ou por um colectivo?
«(…)
Trata-se de visões distintas da mesma realidade, de opções pedagógicas que
destacam determinados aspectos, tidos como mais relevantes: antes de 1974 era preciso,
de algum modo, destacar a especificidade portuguesa, assinalar o que distinguira
Portugal e o conduzira ao caminho da expansão ultramarina, de algum modo justificando
a situação colonial do momento, também ela uma prova de que os Portugueses eram
diferentes dos outros impérios coloniais; para isso, nada melhor do que realçar
datas-chave e pulsões nacionais, a vontade de descobrir, a bravura, o dilatação
da fé, etc., e os nomes que as consubstanciavam e tornaram realidade. Vinte anos
depois, pelo contrário, tentava-se mostrar que a expansão portuguesa fizera parte
de um movimento global, de uma etapa do avanço do conhecimento ocidental, e fora
moldado por condicionantes técnicas, materiais e sociais; Portugal movia-se, ontem
como então, num espaço e num contexto europeu e não numa aventura solitária. Muito
curiosamente, o discurso oficial dos nossos dias é diferente, mas nem por isso menos
artificial; na realidade, tende a fundir as duas facetas: fala-se e exalta-se a
forma heróica, destemida e voluntariosa como caminhámos sobre o mar (como
afirmou recentemente uma ex-governante), agindo em sentido colectivo pela abertura
de novos caminhos e pela inauguração de uma era de prosperidade, talvez como
estímulo e motivação para os tempos actuais, mas não se referem nomes nem se mencionam
personalidades em concreto, não só porque soa algo salazarista estar a invocar o
infante Henrique, mas também porque se tende a considerar que todos, sem excepção,
desde o marinheiro anónimo ao monarca, do piloto experiente ao fidalgo que
desprezava o mar e o comércio, desempenharam o seu papel sem fricções, oposição
ou contracorrentes à aventura ultramarina. Criar uma oposição artificial entre as
acções individuais de um pequeno número de figuras, as condições materiais do
Portugal do século XV que as sustentaram ou o apoio social que as tornou possíveis
num determinado momento e oportunidade não faz realmente muito sentido. O infante
Henrique não era decerto o eremita visionário que se vê nos quadros, mas sem a
sua vontade e determinação, para não dizer teimosia incorrigível, é possível
que o rumo dos acontecimentos tivesse sido bem diferente; o infante Pedro não foi
um mero instrumento das aspirações do povo de Lisboa, mas o apoio social que recebeu
foi imprescindível para os avanços que se verificaram durante a sua regência. A
História-passado foi, quase sempre, mais caprichosa do que a
História-conhecimento atinge; esta não passa, afinal de contas, de uma
aproximação grosseira e tosca a uma realidade complexa, tão complexa quantas as
pessoas que dela fizeram parte.
Porque
não dominaram os Portugueses as Canárias?
O arquipélago
das Canárias está fora do imaginário que envolve os Descobrimentos portugueses,
sendo algo associado exclusivamente a Espanha. De facto, pelo famoso Tratado
de Alcáçovas-Toledo, Portugal desistiu de qualquer pretensão sobre as ilhas,
que foram definitivamente atribuídas a Castela. O ego nacional omite os reveses
e prefere, naturalmente, assinalar o que foi obtido em contrapartida: a exclusividade
da exploração de todo o continente africano a sul do arquipélago. Sobre o que ocorreu
anteriormente, a memória colectiva não reteve praticamente nada. Nos últimos anos,
as Canárias mereceram menção na imprensa nacional por dois motivos: pelos grandes
incêndios florestais que devastaram várias ilhas, no Verão de 2007, e por ter sido
o local de retiro e de residência de José Saramago (mais especificamente, a ilha
de Lanzarote), onde morreu em 2010». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses
Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos
Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.
Cortesia
de EdosLivros/JDACT