sábado, 8 de outubro de 2016

Confissões de uma Freira Pagã. Kate Horsley. «Perguntei pela criança recém-nascida que foi trazida para o nosso convento e fiquei triste por saber que tinha morrido. O pastor não pareceu interessado no destino da criança»

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«(…) As pessoas de muitos túaths a norte da minha permitiram que os homens tonsilados lhes mostrassem como melhorar a colheita do cereal e da criação de cavalos. Naqueles tempos, as razias entre túnths diminuíram e, em Tarbfhlaith, nós continuámos a ser pagãos, tendo gozado um período no qual nenhuma das nossas pessoas foi encontrada morta no campo com os seus porcos roubados. As pessoas que escutavam os homens tonsilados faziam muitas perguntas e os druidas que assistiam os chefes nesses lugares debatiam com os monges. Eles perguntavam: em que espécie de árvore é que este herói Jesus foi sacrificado, e os monges frequentemente respondiam: era um teixo, porque eles sabiam que era sagrado para os druidas, que do teixo faziam os seus bordões e varinhas. Agora, dos poços antigos e das pedras erectas, eles fazem relíquias cristãs, atribuindo os seus poderes a santos. Eu não discuto esta prática porque acredito que o sagrado não se importa porque nome é chamado. Mas, muitas vezes desejava não conhecer tão bem a história para que pudesse acreditar mais a fundo na interpretação cristã da nossa paisagem. O conhecimento estraga a devoção. Aos habitantes da parte leste desta terra, que primeiro conheceram o Nosso Senhor Jesus Cristo através dos pelagianos, foi ordenado, pelos homens tonsilados, que abandonassem essa doutrina como se fosse veneno a ferver. Porque era falado por um herege que não percebia o estatuto sagrado dos padres. Estas controvérsias eram-me desconhecidas quando vivia em Tarbthlaith, e só depois de ter vindo para aqui servir Santa Brígida, e de transcrever as Escrituras dos estudiosos da Igreja, ó que tomei conhecimento delas. Agora eu sei que São Patrício veio para esta terra para assegurar que os cristãos daqui abandonassem e renunciassem às ideias de Pelágio, que traíam o Papa e todos os Bispos, Santos e Padres que têm de proteger as almas dos ignorantes. Santo Agostinho de Hipona revelou que os pelagianos eram hereges e salvou os cristãos das noções que lhe danavam as almas. Foi assim que eu li. Mas nos dias da minha juventude estes assuntos eram muito pouco conhecidos. A minha túath permaneceu não-cristã e a minha decisão de me tornar uma druida não foi abalada por argumentos religiosos. Unde autem audenter dico, non me reprehendit cinscientia mea hic et futurorum (mas por esta razão eu corajosamente afirmo que a minha consciência não me censura, nem agora nem sobre coisas futuras).

No céu já parou de chover, mas o orvalho é ainda pesado e gela o chão até à hora da nossa refeição. Os nossos passos no corredor caem pesados no chão e o sol é pequeno. Eu pus mais tecido à volta dos meus pés para poder caminhar pela abadia e pelos seus jardins. Perguntei pela criança recém-nascida que foi trazida para o nosso convento e fiquei triste por saber que tinha morrido. O pastor não pareceu interessado no destino da criança e deu-me o pequeno corpo nos cobertores sujos. O embrulho era tão leve que tive que o desembrulhar para ter a certeza de que existia lá uma alma. E então vi o infeliz recém-nascido, enegrecido pelos vermes que o adoentaram. Falei à Irmã Luirrenn, que foi às casas do povoado, que se aglomeram à volta da abadia, para encontrar a mãe da criança, mas não a conseguiu ver. Todas as dezanove irmãs discutiram de que modo se deveria enterrar a criança, e como várias eram da opinião de que não se deveria pôr uma alma não baptizada em terra consagrada, e como não tínhamos nenhum ceallurach (cemitério para crianças não baptizadas ou para suicidas), a irmã Luirrenn disse que deveríamos enterrá-lo no jardim. Ela é a nossa anciã e por isso foi o que fizemos. O jardim não tem sido tratado desde as últimas chuvas, estando assim cheio de indesejáveis ervas daninhas». In Kate Horsley, Confissões de uma Freira Pagã, tradução de Mariana Pereira, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-860-518-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT