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Porque
não dominaram os Portugueses as Canárias?
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Todavia, o arquipélago desempenhou um papel essencial na primeira fase dos
Descobrimentos portugueses, não apenas pela sua ligação ao arranque das
viagens, mas também por constituir um objectivo importante nos planos e na acção,
antes, durante e depois da vida do infante Henrique. A evolução e a persistência
do interesse português pelas Canárias é, aliás, um excelente exemplo que
permite compreender melhor as alterações e o amadurecimento dos projectos de
expansão. Se o conhecimento da existência dos arquipélagos da Madeira e dos
Açores antes do seu descobrimento pelos Portugueses, em 1419 e 1427, respectivamente,
não passa de uma suspeita, no que respeita às Canárias é um dado seguro desde,
pelo menos, a primeira metade do século XIV. É tradicionalmente atribuído ao
genovês Lancelotto Malocello o seu descobrimento, na década de 1320. A esta
viagem (e possivelmente umas quantas que não deixaram rasto) seguiram-se outras
de conquista, nomeadamente as levadas a cabo por mercadores italianos e
promovidas por Afonso IV. As Canárias, como se percebe olhando para um mapa,
estão um pouco a norte do cabo Bojador, o que significa que o arquipélago também
assinalava, até ao século XV, a fronteira do mundo conhecido pelos Europeus. E
se a passagem do cabo era pouco atractiva, não apenas por não se saber o que ficava
além, mas também porque a costa era inóspita e pouco interessante, as Canárias
eram um alvo bem mais apetecido, porque eram habitadas e possuíam vegetação. Deste
modo, o arquipélago formava uma espécie de terceira yia para o
prosseguimento da chamada Reconquista), a par de Granada e de Marrocos, mau
grado a inexistência de populações islamizadas ou de qualquer prova de que
haviam alguma vez integrado os territórios da cristandade. Numa primeira fase,
os principais actores foram simples aventureiros desejosos de estabelecerem aí
os seus senhorios, submetendo as populações locais (chamadas guanches) e
utilizando-as como mão de obra escrava. Havia também algumas plantas com valor
e interesse comercial, como o sangue-de-drago, usado em tinturaria. Esses personagens
procuravam depois protecção oficial, colocando-se sob a suserania portuguesa ou
castelhana. São exemplos um tal Lançarote da França, a quem Fernando concedeu o
senhorio de várias ilhas, em 1370, e o normando Jean Bethencourt, que se
colocou sob protecção castelhana após efectuar uma expedição de conquista, em
1402.
À
medida que se sucediam as tentativas de ocupação efectiva das ilhas,
invariavelmente incompleta, temporária ou falhada, tanto Portugal como Castela
reforçavam o seu interesse e reclamavam direitos de posse. Durante mais de um
século, desde as expedições promovidas por Afonso IV até ao Tratado de
Alcáçovas-Toledo, de 1479-80, os dois reinos envolveram-se numa disputa acesa
e feroz pela posse das ilhas, não só da sua ocupação efectiva, mas também do
seu reconhecimento pela Santa Sé. A questão é que as Canárias deixaram de ser
um mero palco de aventuras guerreiras e de saque para passarem a constituir um
objectivo estratégico integrado em planos de expansão mais alargados. O caso
português é evidentemente mais nítido e claro. O infante Henrique considerava o
arquipélago uma excelente base para o futuro assalto a Marrocos e assumiu o
patrocínio da conquista das ilhas, a par das viagens de reconhecimento da
costa. Enviou uma expedição logo em 1424, comandada por Fernando Castro, que não
veio, contudo, a ser bem sucedida. Ao longo da sua vida fez várias tentativas,
ora apoiando um dos aventureiros em contenda, ora comprando a ilha de
Lanzarote, ora, ainda, enviando novas expedições militares. Depois da sua morte,
o infante Fernando (seu sobrinho e afilhado) prosseguiu este esforço, mediante
a tentativa de compra de várias ilhas e o envio de uma derradeira expedição de
conquista, já em 1466. Desde que a exploração da costa africana começara a dar
proveitos e a chamar a atenção de vários sectores, algo visível ao longo da
década de 1440, o interesse pelas Canárias ganhou uma nova dimensão: para os
Portugueses, era um ponto de apoio importante à navegação que progredia para
sul e ao florescente comércio da Guiné, ao mesmo tempo que permitia vigiar a
concorrência castelhana, interceptar navios furtivos e garantir o controlo
daquelas paragens. Para Castela, o cenário era obviamente o inverso: não tendo
sido protagonista da exploração atlântica e em clara desvantagem perante o avanço
rival, à coroa castelhana restava apenas segurar esta base avançada e, assim,
promover o corso e as viagens à Guiné ao arrepio das pretensões portuguesas e
manter-se à espreita de uma oportunidade». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses
Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos
Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.
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