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e wikipedia
«Tudo
pode acontecer em um piscar de olhos. Tudo. Um. Dois. Três. Pisque. Uma menina
está rindo com seus amigos. De repente, uma cratera abre-se no chão. Surge um
homem numa carruagem negra forjada nas profundezas do inferno, puxada por
cavalos com patas de aço e olhos de fogo. Antes que alguém consiga gritar,
antes que a menina consiga fugir, as pavorosas patas a surpreendem. A menina pára
de rir e começa a chorar. Tarde demais. O homem sai da carruagem, segura a
menina pelos pulsos e a leva para dentro da cratera. A vida nunca mais será a
mesma para ela. Mas não se preocupe com a menina. Ela é apenas uma personagem de
um livro. Seu nome é Perséfone, e a cena em que é raptada por Hades, deus dos
mortos, e levada para viver no Mundo Inferior representa a maneira como os
gregos explicavam a mudança das estações. É o que chamam de mito das origens. O
que aconteceu comigo não foi um mito. Alguns dias atrás, se tivessem me contado
sobre uma menina que teve de ir morar com uma personagem no seu palácio no
Mundo Inferior durante seis meses, eu teria gargalhado. Você acha que Perséfone
ficou em apuros? Vou dizer quem está em apuros: eu. Bem maiores do que os dela.
Principalmente agora, depois do que aconteceu na outra noite no cemitério.
Estou me referindo ao que aconteceu de verdade. A polícia acha que sabe de
alguma coisa, é claro, assim como todos na escola. Parece que cada pessoa na
ilha tem uma teoria. Essa é a diferença entre mim e eles. Todos têm teorias. Eu
sei dos factos. Que diferença faz o que aconteceu com Perséfone? Não foi nada comparado
ao que aconteceu comigo. Na verdade, Perséfone teve sorte, pois sua mãe veio
salvá-la. Ninguém veio me salvar. Portanto, escute meu conselho: aconteça o que
acontecer, não pisque.
Certa
vez, morri. Ninguém sabe ao certo por quanto tempo me fui. Fiquei sem me mover
por mais de uma hora. Estava com hipotermia também, e foi por isso que os
desfibriladores e a dose esmagadora de adrenalina me trouxeram de volta quando
os médicos me aqueceram. Pelo menos foi o que disseram. Tenho outra opinião
sobre o que me mantém entre os vivos, mas aprendi a não expressá-la. Viu uma
luz? É a primeira coisa que todos querem saber quando descobre que morri e
voltei. Foi a primeira coisa que meu primo Alex, que tem 17 anos, perguntou
hoje à noite na festa da mãe. Viu uma luz? Assim que Alex falou, seu pai, meu
tio Chris, deu um chapadinha atrás da cabeça dele. Ai, exclamou Alex,
massageando a cabeça. Qual o problema em perguntar se ela viu uma luz? É falta
de educação, respondeu tio Chris, seco. Não se pergunta isso a uma pessoa que
morreu. Tomei um gole de refrigerante. A mãe não perguntou se eu queria uma
festança de boas-vindas a Isla Huesos, mas como dizer não? Ela estava tão animada.
Acho que convidou quase todos os seus velhos conhecidos, inclusive a família
inteira, que, com excepção da mãe e de seu irmão mais novo, Chris, nunca havia
se mudado da ilha de 3 quilómetros por 6 localizada na costa sul da Flórida.
Foi onde todos nasceram. No entanto, tio Chris não deixou Isla Huesos para
estudar, se casar e ter filhos, como aconteceu com a mãe. Mas o acidente foi há
quase dois anos, disse Alex. Não é possível que ela ainda fique chateada. Olhou
para mim. Pierce, disse com sarcasmo, você ainda fica chateada sobre o facto de
ter morrido e voltado à vida há quase dois anos atrás? Tentei sorrir. Já
superei isso, menti. Não disse?, falou Alex para o pai. Então, você viu ou não viu
uma luz?, perguntou para mim. Respirei fundo e repeti o que havia lido na
internet.
Praticamente
todos os EQM contam que, quando morreram, viram alguma coisa, geralmente algum
tipo de luz. O que é um EQM, perguntou tio Chris e coçou a cabeça. Usava um
boné de beisebol da Iscas e Equipamentos Isla Huesos. É uma pessoa que teve uma
experiência de quase-morte, expliquei. Senti vontade de coçar a pele em baixo
do vestido que a mãe havia comprado para mim. Estava muito apertado no peito.
No entanto, achei que não seria educado fazer isso, apesar de tio Chris e Alex
serem da família. Ah, disse o tio Chris. EQM. Entendi». In Meg Cabot, Abandono, Ebook
4kindle, Galera Record, 2013, ISBN 978-850-109-534-3.
Cortesia de
GRecord/JDACT