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Rennes
le Château. 20 de Junho de 1889
«(…)
No dia seguinte, Bérenger recebeu a visita do alcaide, que tinha sido alertado por
Babou e Rousset. Viu-o aproximar-se da janela do segundo andar, onde tinha instalado
o seu escritório. O gordo alcaide deteve-se diante da igreja, como que amodorrado.
No entanto, era um homem astuto. Não nos devíamos fiar nos seus ombros caídos, nem
nos seus passos vacilantes, tão-pouco no ar submisso com que olhava as fendas
ressequidas pelo sol. Tinha mandado demolir os muros da aldeia, depois do
gabinete de Goblet e o general Boulanger, seu ministro de guerra, terem caído por
obra da direita e dos moderados. No entanto, na sua atitude havia um desejo de vingança
copiado dos artigos de A lanterna e O intransigente, que lia com regularidade.
Era ele quem tinha mandado os jovens recrutas da aldeia gritar pelas ruas: que lutem
os curas! (desde Julho de l889, os sacerdotes franceses deviam prestar também o
serviço militar). Tinha o mesmo calcanhar de Aquiles de todos os homens de Razès:
o dinheiro. O ruído das notas de banco e o tilintar das moedas de ouro, tinham-no
tirado essa manhã da cama. Tinham acendido duas candeias nos seus olhos matreiros.
Vem por causa dos documentos, disse Bérenger para consigo Babou e Rousset deram
à língua. Enrolou os manuscritos e meteu-os dentro dos cilindros. Tinha-os estudado,
em vão, toda a noite. Continham três genealogias misteriosas e diversos textos incompreensíveis
em latim, que misturavam citações do Novo Testamento e letras do alfabeto, numa
desordem total. Confirmou as suas suspeitas depois de dar uma vista de olhos ao
átrio da igreja. Os dois operários tinham vindo cumprimentar o alcaide, que
lhes respondeu com a mão e sorriu mostrando os dentes todos cariados. Manter a calma,
acima de tudo. O fundamental era isso. Só assim conseguiria conservar a sua descoberta.
Bérenger esperou que o alcaide batesse à porta pela segunda vez e desceu para abrir
com parcimónia. Respirou fundo, quando chegou à entrada. Aproximou-se com passo
sigiloso e abriu a porta de par em par. O alcaide olhou-o sem pestanejar. Por
instantes, o seu olhar cruzou-se com o do cura, depois voltou a olhar para o chão.
Bérenger notou um sorriso debaixo do seu espesso bigode ruivo. Não passava de uma
falsa impressão, tão falsa como a mão húmida que apertou sem entusiasmo. Bom dia,
padre, murmurou o alcaide. Bom dia, senhor alcaide... Vem confessar-se? Queria
dizer-lhe... Não, não tenho nada para confessar... É que as obras que anda a fazer...
Sabe do que é que falo?... Aquilo do pilar. Os pergaminhos. Quer dar-lhes uma vista
de olhos? Sim. Siga-me. Subiram ao quarto de cima. Bérenger estendeu-lhe os cilindros
e o alcaide pegou-lhes com mãos ávidas. Meteu os dedos calejados nas aberturas e
tirou os manuscritos, um a um. Logo a seguir abanou os cilindros, olhou-os à luz
da janela para ver o fundo, voltou a abaná-los como se houvesse algo escondido lá
dentro. Estavam irremediavelmente vazios. Não havia mais nada?, perguntou despeitado,
apontando para os manuscritos. Não me diga que pensou que continham pedras preciosas...
Não passam de estojos. Foram lacrados para proteger estas actas da degradação. O
alcaide desenrolou um dos pergaminhos, com expressão desgostosa. Logo a seguir
reconheceu o rasto da Igreja. Quanto poderiam valer? A avaliar pela cara do
cura, pouca coisa. Deus et bomo, prin... ci... pium et... finis, leu penosamente,
sem entender o significado, e interrogou Bérenger com o olhar. Deus e Homem, começo
e fim, traduziu Bérenger, com um sorriso de superioridade. O alcaide sentiu-se humilhado.
Cura asqueroso. Quem se julgava ele? Limpo o cu ao teu latinório. Detestava aqueia
língua que mantinha os profanos, como ele, à margem dos assuntos do clero. Saunière
não devia esquecer que a sua igreja agora pertencia à comuna. Tenho de levá-los.
Perdão? É meu dever conservá-los nos arquivos comunitários». In
Jean-Michel Thibaux, O Mistério do Priorado de Sião, Rennes-le-Chatêau, 1888,
2004, tradução de Jorge Fallorca, A Esfera dos Livros, 2006, ISBN
989-626-019-2.
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