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Acariciou-lhe a face quente e transpirada. Não me chameis amor, respondeu, com
um olhar sombrio. Chamar-vos-ei o que me aprouver, respondeu a rainha com
azedume. A luz desaparecia e ambos sabiam que em breve terminaria o precioso
tempo em que podiam estar a sós. Isabel sentou-se, compôs o corpete e tentou
abotoá-lo. Então, ajudai-me com isto, provocou-o com um sorriso sedutor e
apesar do seu aborrecimento ele sentiu-se como de costume, perfeitamente
enfeitiçado por aquela frágil mulher. Os seus dedos pouco hábeis introduziram
os pequenos botões de pérola nas casas de cetim. Por uns momentos,
deixou que a mão lhe escorregasse, roçando-lhe o seio já coberto. Os vossos
conselheiros estão extremamente preocupados, disse. Pensam que tencionais casar
comigo e fazer-me Rei, sentou-se, fechando a camisa e o gibão, sem a olhar nos
olhos. E dizei-me o que faríamos então com a vossa fiel esposa? Esposa? Terei
eu uma esposa?, perguntou trocista, Ela ergueu-se diante dele, obrigando-o a
encará-la. Se eu me casasse convosco, seria assim tão facilmente esquecida? Ele
compreendeu que tinha cometido um erro, ao expor com tanta ligeireza o seu
casamento sem amor, recordando-lhe o sangue-frio com que o pai dispusera das suas
esposas, entre elas a mãe de Isabel. Mas aquela criança, a sua rainha, Isabel,
o seu amor, enlouquecia-o sendo tão imprevisível. Por vezes, abria-se para ele
como uma flor ao sol, a rir, a brincar, a fazer maliciosos planos, tal como
quando eram crianças. Nesses tempos pareciam embriagados, perfeitamente
encantados na companhia um do outro. Pensara mesmo em casar com ele. Por
vezes desafiava-o a ser forte com ela, a dominá-la, a ser o seu senhor. Depois,
com a brevidade de uma tempestade de Verão, tornava-se dura e sombria,
brincando com a sua insignificância, tratando-o como uma peça num tabuleiro de xadrez. Tenho demasiados
pretendentes, Robin..., príncipes, reis, imperadores..., como posso pensar em
vós para me desposardes, disse-o com impertinência, mas ele notou que
estava mais branda. Viu-lhe os movimentos enquanto vestia a jaqueta, os ombros
levemente curvados, os olhos em alvo, uma quase imperceptível tensão na fronte.
Desejoso de a ver recuperar a doçura, ergueu-se diante dela. Levantou-lhe o queixo
e perguntou num suave murmúrio. Pensais não dispor de súbditos leais capazes de
dar um herdeiro ao trono de Inglaterra? Um herdeiro? O olhar dela quase se
incendiou. Um herdeiro, Robin? É então essa a questão? Não o amor, mas sim a
descendência real? O rei Robert, pai de muitos filhos, alto governante de
Inglaterra e, oh, sim, quase o esquecia, esposo de Isabel. Interpretais mal as
minhas palavras, não se trata disso!, exclamou. Escolhera mal e voltara a
enganar-se. Isabel dirigiu-se à porta da cabana, com o rosto afogueado e escarlate.
A sucessão ao trono fora um caminho que deixara para trás mortes horríveis.
Robert Dudley era seu amante, não o seu senhor. Parecia-lhe pouco adequado falar
de herdeiros naqueles momentos de ternura. Abriu a porta, mas Dudley fechou-a
imediatamente. Deixai-me sair. Não, Isabel. Ordeno-vos, vociferou a rainha. Dudley
percebeu o violento latejar das veias sobre a branca pele da fronte de Isabel.
Viu que estava prestes a chorar. Deixou-se cair de joelhos diante dela. Majestade...,
por momentos não pôde continuar, pois as emoções embargavam-lhe o
raciocínio. Ergueu os braços suplicantes e rodeou-lhe a cintura. Sentiu-a
estremecer por baixo das muitas camadas de roupa e das barbas do corpete. Perdoai-me,
senhora! Imploro-vos. Robin, erguei-vos... Não foi minha intenção... Não, não,
deixai-me falar, mesmo com a cabeça curvada, exprimiu-se de um modo tão
intenso que cada palavra era nítida e cortante. Conheci-vos ainda criança, Isabel.
Nascida princesa real e logo repudiada como bastarda por um pai que apenas
queria filhos varões. Afastada da corte para viver na obscuridade e na pobreza.
Haveis sofrido sem os seus carinhos. Mas naquela sala de estudo dos aposentos
das crianças para onde meu pai me enviava, encontrei um tesouro. Um espírito
brilhante, uma alma resplandecente, um rosto belo, pálido como uma rosa do
Yorkshire. já então vos amava. Éramos irmão e irmã, amigos, companheiros de
estudos. Ríamos, chorávamos e muitas vezes nos ajudámos um ao outro, não foi
assim? Dudley não ergueu a cabeça para receber a resposta, mas sabia que ela o
escutava. Ao ouvir falar dos tempos idos da infância, Isabel deixara de tremer
e a sua respiração era já mais calma.
A frágil-e doce menina sobreviveu ao reinado e à
morte do seu amado irmão, ao jugo e falecimento de uma irmã desapiedada..., para
se transformar na rainha Isabel. A menina já não existe e só no meu espírito
permanece viva a companheira de folguedos, a irmã, a amiga. Porém, sinto agora
uma ávida paixão pelo corpo da mulher. Estamos unidos por um laço profundo. É
verdade que aos olhos da lei sou casado com Amy Dudley. Contudo foi a vós que desposei,
de coração, alma e espírito. Robin...» In
Robin Maxwell, O Diário Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor
1, 2002, ISBN 978-972-731-131-6.
Cortesia de PEditora/JDACT