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O problema que causava o imprevisto desaparecimento dos herdeiros nas famílias reais
foi vivido pouco depois, e com maior intensidade, na corte espanhola, uma vez
que a 11 de Junho de 1783 morreu, aos 3 anos de idade, o único irmão varão de
Carlota Joaquina, o infante Carlos Eusébio. Embora as fontes não mencionem a causa
da morte de uma criança que sempre tinha sido doente, é provável que tenha tido
algo a ver com a varíola, e é possível que esta tenha igualmente afectado a
infanta, mas sem consequências. Um relatório sobre Carlota que o marquês de Louriçal
elaborou para a rainha dona Maria um pouco mais tarde menciona que a menina
ainda conservava as marcas. Em todo o caso, a dita doença era naquela altura
um grave risco para a sua mãe, porque, depois de seis partos e quatro abortos, Maria
Luísa de Parma estava novamente grávida. O nascimento, a 5 de Novembro, de dois
gémeos, Carlos Francisco e Filipe Francisco, terá eliminado pelo menos uma das causas
da ansiedade de que sofria a progenitora de Carlota Joaquina há já algum tempo,
com algum fundamento porque, ao fim de dezoito anos de casada, não tinha conseguido
consolidar a importância do seu marido no plano sucessório. Nesta altura, e sem
que se conheça bem o motivo, foi definitivamente descartada a possibilidade de
a arquiduquesa florentina Maria Teresa de Habsburgo se casar com o infante João.
Se Maria Luísa esperava que ela fosse imediatamente substituída pela sua filha primogénita,
ter-se-á sentido muito desiludida, uma vez que a corte de Lisboa, através do marquês
de Louriçal, propôs, como possíveis candidatas, outras duas netas italianas do rei
Carlos III de Espanha. Em primeiro lugar uma filha do seu filho, o rei de Nápoles,
e em segundo, uma sobrinha-neta, filha do duque de Parma. É possível que Floridablanca
tenha tranquilizado a mãe de Carlota a este respeito, dizendo-lhe que estes nomes
eram apenas um disfarce até que se pudesse tornar público o da sua filha,
uma vez que se de uma neta italiana do rei Carlos III da linhagem Habsburgo os portugueses
tinham passado a aceitar outras duas italianas da linhagem Borbón, isso abria a
possibilidade de à terceira acabarem por aceitar uma Borbón originária do ramo espanhol,
já que era contra essa origem que se dirigia a maior resistência da corte portuguesa.
Segundo
expressaria prontamente a rainha dona Maria, parece que o que mais preocupava Portugal
naquele momento, muito para além do local de nascimento da candidata, era a idade
da mesma, uma vez que as novas candidatas propostas tinham sensivelmente a mesma
idade do infante. Evidentemente que não se queria voltar a repetir o erro
cometido com o príncipe José, que tinha contraído matrimónio com uma mulher muito
mais velha do que ele, casando João com uma muito mais nova. Mas isso não
impediu que se utilizasse o recurso da idade para não mencionar a origem espanhola.
É possível que a segurança fornecida por Floridablanca no sentido de que Carlota
era a candidata encoberta tenha levado Maria Luísa a encenar a sua alegria pelo
nascimento dos gémeos, os quais expôs publicamente uma tarde no palácio para que
pudessem ser contemplados por quem quisesse, o que também pode ser visto como uma
subtil forma de pressão perante o sogro, para que este recusasse oferecer a mão
das italianas e fizesse de uma vez por todas algum gesto em favor da sua neta
espanhola.
Em todo
o caso, a verdade é que Carlos III continuava a responder evasivamente às solicitações
de dona Maria para que lhe concedesse para o seu filho a mão de alguma das princesas
italianas, o que pode levar a pensar que ele próprio estava convencido desde o
início da conveniência de ser Carlota a eleita, só que preferia guiar-se mais pela
prudência do seu ministro do que pela ambição da nora, que não tinha muita consciência
de que impor a candidatura de uma infanta espanhola aos portugueses era um
trabalho delicado que exigia o seu tempo. Seja como for há provas indiscutíveis
da existência, neste período, de cartas confidenciais entre Floridablanca e Maria
Luísa a respeito das possibilidades de convencer Louriçal de que Carlota era a candidata
adequada para mulher do infante português. Nelas, o conde espanhol referia-se a
Carlota como uma Menina cheia da bibacidade (sic) da sua idade. Algo que,
se bem que podia oferecer o inconveniente de fazer parecer a infanta estouvada,
explicava o conde à mãe da interessada, também podia servir de aliciante a Louriçal
para convencer a rainha portuguesa de que esta menina possuía um carácter extrovertido
e vivo, muito conveniente para estimular um príncipe apagado e tímido, como era
o seu possível marido. Parece que este argumento afectou o embaixador
português, uma vez que, a 15 de Novembro de 1783, Louriçal enviou uma carta a dona
Maria, na qual descrevia com pormenores as características físicas de Carlota, dizendo-lhe:
a senhora infanta é alta e muito bem feita de corpo, todas as feições são perfeitas,
dentes muito brancos.
E depois
de mencionar as marcas que lhe tinham deixado uma varíola recente, utilizava
para descrever Carlota a expressão muito viva, que podia ser uma versão da
frase cheia da bibacidade (sic), que Floridablanca tinha recomendado Maria
Luísa a usar para exaltar diante do embaixador as qualidades da sua filha. Esta
expressão ficou provavelmente gravada na mente do português. O facto de Louriçal
ter realçado que se tinha tido muito cuidado na sua educação era uma clara
recomendação sobre a menina à qual o destino podia tornar rainha de Portugal,
uma vez que parecia já assumido que o príncipe do Brasil não iria ter filhos» In
Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo,
A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.
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