jdact
«(…)
Estrutura feudálica na organização monástica em concordância com a mentalidade
do tempo; apoio concedido pelos poderes constituídos, de papas e príncipes (que
escolhem as abadias cistercienses para sua sepultura), mas também de bispos e
clero secular (pois o mosteiro cisterciense não oferece concorrência quer no
temporal quer no espiritual e permite captar apoios na própria rede de relações
que estabelece pela Europa inteira, tanto no plano espiritual como no civil);
aproveitamento racionalizador dos meios materiais (domínio da natureza, aproveitamento
dos recursos hídricos, organização das granjas, exploração e transformação dos
produtos, emprego de mão de obra minimamente habilitada e enquadrada,
intervenção nos mercados através de entrepostos, investimentos calculados).
Enfim, por muito que se multipliquem as explicações, ou justamente porque elas
dependem da perspectiva escolhida, não se pode ter em menos conta a sinceridade
interior dos monges e a clarividência dos orientadores, individualmente ou em
grupo, para responderem a uma autêntica multidão de homens, que não eram os
menos válidos do meio de onde procediam. Não bastava, o desejo de fidelidade
estrita à Regra de S. Bento, era necessária a clarividência exercida nos
momentos oportunos e através das instituições e dos mecanismos de relação
oportunamente criados. Mas a clarividência assentava também na planificação de
uma estrutura interna, a um tempo funcional e simples, em que se conjugava a
organicidade hierárquica com a participação das diversas unidades monásticas na
vigilância pela adequação de um projecto de base às situações concretas.
A
comunidade cisterciense era composta de pessoas várias, segundo uma escala
relativamente larga: monges professos clérigos, não necessariamente com ordens,
mas conhecedores das letras e com cultura para assumirem as funções de
orientação; monges leigos, que normalmente não sabem ler, ainda que não faltem
excepções de relevo (por exemplo, Alano de Lille) e habitualmente se confundem
com os conversos, pois entram nessa categoria; noviços, em formação durante um
período inicial que não ultrapassa um ano; conversos, leigos particularmente afectos
aos serviços braçais, que vivem habitualmente nas granjas e celebram domingos e
festas no mosteiro; doentes, por doença passageira ou crónica; domésticos ou
familiares, homens e mulheres ligados ao mosteiro e nele trabalham,
beneficiando dos seus sufrágios, em vida e em morte. Ao mosteiro acudiam também
de forma passageira, outras pessoas, cuja presença é regulamentada: abades de
outras comunidades, nomeadamente o abade-pai; hóspedes; peregrinos;
assalariados sazonais; autoridades eclesiásticas e seculares. A coordenar toda
essa comunidade humana estava o Abade, com os seus auxiliares, o prior e os
encarregados das diferentes funções comunitárias.
Mas,
em contraste com a orgânica monárquica de Cluni, a função do Abade é apoiada e
corrigida pelo Capítulo Geral de realização anual. Semelhante figura aparece em
funcionamento quando se multiplicam as fundações cistercienses. Falta-nos saber
se tal instância funcionou nos primeiros tempos da vida em Cister como modo de
regulação da vida em caridade e unanimidade e se foi a partir dessa experiência
que se abrangeu as fundações que foram sendo criadas por solidariedade entre
todos ou se foi o alargamento que fez surgir semelhante modo de proceder. O facto
é que o Capítulo Geral, juntamente com a Visita anual se converteram em
instâncias fundamentais de legislação e controlo da acção cisterciense. A
expansão cisterciense faz-se por diferentes modelos: enxameação, caso em que
uma comunidade envia um grupo de monges fazer uma fundação num território
oferecido por um senhor; substituição, quando o grupo cisterciense toma o lugar
de outra comunidade que desaparece; filiação ou agregação, e integração de uma
anterior comunidade, que permanece sob a nova obediência; tutela, relativamente
aos mosteiros femininos, cuja primeira filiação data de 1125, e cuja
assistência fica entregue à vigilância do abade do mosteiro mais próximo. Nestas
condições (e a expansão mantém-se até, meados do século XIII, tempo em que o
renovamento espiritual e a resposta a necessidades novas são tomados pelas
Ordens Mendicantes), a salvaguarda da identidade primitiva só pôde manter-se
graças a um espírito previdente e organizador, não obstante os momentos de
tensão ou de crise». In Aires Nascimento, Cister, Introdução,
tradução e notas, Edições Colibri, Faculdade de Letras, Lisboa, 1999, ISBN
972-772-032-3.
Cortesia
de Colibri/JDACT