segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Poesia no 31. Miguel Torga. «Oh! maldição do tempo em que vivemos, sepultura de grades cinzeladas, que deixam ver a vida que não temos e as angústias paradas!»


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Dies Irae
«Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
a mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
sepultura de grades cinzeladas,
que deixam ver a vida que não temos
e as angústias paradas!»
Miguel Torga, in “Cântico do Homem”

Viagem
«É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
universal
que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
que tudo alcança
sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
de mar em mar,
até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
mais rico de amargura
nas pausas da ventura
de me procurar...»
Miguel Torga, in “Diário XII”

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