Cortesia
de wikipedia e jdact
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As paulistas de classe mais elevada geralmente só eram vistas nas ruas acompanhadas
pelo chefe da família e usualmente para fins religiosos, quando saíam trajadas
com sarja de Málaga preta e a mantilha de caxemira debruada de renda que tudo
escondia. As imagens representando as paulistas dessa época nos recordam as
burcas usadas pelas mulheres em alguns países islâmicos. As mulheres mais
pobres usavam roupas de chita e baeta e cobriam-se com xaile preto. A
vestimenta mudava totalmente em dia de festa, quando elas apareciam com
vestidos coloridos e decotados, cobertas de colares de ouro e com os cabelos enfeitados
com flores. O respeito à Igreja, aos maridos, pais e irmãos estava longe de
colocar a mulher paulista como ser indefeso e totalmente obediente. Durante
anos, as mulheres de São Paulo acostumaram-se a tomar decisões e resolver a
vida sem seus companheiros. Primeiro os homens partiam com as monções e as
bandeiras, expedições que alargaram os limites brasileiros atrás de índios,
ouro e pedras preciosas, depois houve a fase da corrida do ouro nas Minas
Gerais. Com a vocação de São Paulo guardar as fronteiras do sul, enquanto os
homens iam para as guerras, as mulheres viravam-se. Algumas eram tidas por
bruxas, pois faziam o impossível para lidar com as necessidades básicas
diárias. Delas dependiam muitas vezes o sustento dos filhos e a cura de
enfermidades, com suas ervas e rezas. Mulher paulista era sinónimo de mulher
brava e independente; afinal, não haviam elas incitado os maridos durante a
Guerra dos Emboabas? Do sul de Minas veio o ditado: quem casa com paulista
nunca mais levanta a crista. A religião não só marcava os limites, por
intermédio de seus conventos, igrejas e cemitérios, mas também ditava o dia a
dia da vila. Nos oratórios públicos, um deles nos quatro cantos, nome da
antiga encruzilhada formada pela rua Direita e rua São Bento, era possível
encontrar boa parte da população paulistana ajoelhada na rua às 18 horas,
rezando por cerca de vinte e cinco minutos.
Religião
e moral, apesar das tentativas de se aliar uma à outra, raramente andaram
juntas, ainda mais na São Paulo daquela época. Alguns paulistas preferiam as
igrejas cujo latinório era dito mais rapidamente para se verem livres da
obrigação religiosa, ou ainda escolhiam aquela em que sabiam que o padre
exagerava no vinho da missa, para hilaridade dos fiéis. O crescei e multiplicai
era levado a sério pelos próprios sacerdotes, que tinham filhos. Ao se analisar
o censo de 1798, é possível ver que estava longe de ser rara a família cuja
chefe era uma mulher solteira e com mais de três filhos. Claro que ter dinheiro
ajudava a mulher a ser livre e dona de seu destino, como o caso de Teresa
Braseiro. Viúva diversas vezes, essa espanhola alta, loura e de olhos azuis,
abastada proprietária das terras onde hoje fica o Largo do Paissandu, nas quais
seus escravos plantavam café, enamorou-se do militar açoriano João Castro,
noivou e teve dele uma filha, Maria Eufrásia Castro, a quem criou sozinha
devido ao término do compromisso. De condição financeira inferior, João Castro
Canto Melo, pai da futura marquesa de Santos, chegou a acumular diversas
dívidas, inclusive de fretes. Casar em São Paulo era caro, como veremos.
João
Castro tinha o apelido de Quebra-Vinténs, querem uns pela sua força física,
pois seria capaz de dobrar moedas com os dedos, querem outros pela fama de
desvirginar donzelas. Segundo a viajante inglesa Maria Graham, o pai de
Domitila: …posto que português de boa família, mantinha o que se chama, tecnicamente,
uma loja em São Paulo (…). Foi nessa venda que dom Pedro se hospedou
quando fez sua excursão política às capitanias do sul. As quatro filhas
solteiras do hospedeiro foram chamadas para entreter o Real visitante com
música e dança. Alguém observou que a pérola da família, ou antes, da cidade,
estava ausente e se chamava Madame Castro. Seu marido era oficial da milícia
local. O pai foi polidamente solicitado a mandar buscar a pérola. Veio e foi
julgada irresistível!
João
Castro estava bem longe de ser um estalajadeiro que colocava suas filhas para
dançar sobre as mesas para deleite do futuro imperador do Brasil. Da
bisbilhotice recolhida por lady Graham, amiga íntima da imperatriz Leopoldina,
a única verdade é que o pai de Domitila era um português de boa família. Nascido
em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Açores, em 1740, podia não ser rico,
porém descendia da antiga nobreza lusitana e espanhola. Entre seus antepassados
contavam-se vice-reis da Índia, altos funcionários administrativos e nobres
cavaleiros». In Paulo M. Rezzutti, Domitila, 2012, Geração Editorial, São Paulo,
2013, ISBN 978-853-940-089-4.
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