sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O Torturado de Seide. Camilo Castelo Branco. Alberto Pimentel. «… á freira do convento da Ave Maria, transcreverei palavras, que eu muito aprecio porque as ditou um autorizadissimo camilianista»

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«Este livro não aspira a ser mais que uma leve conversação com o leitor sobre assuntos camilianos e, fundamentalmente, ainda um preito de veneração e saudade que eu venho render à memoria do imortal Torturado de Seide». In Alberto Pimentel, Trafaria, Maio de 1921.

«(…) Não me repugnaria acreditar que Camilo Castelo Branco, frequentando abadessados e grades, tivesse sido freirático por tradição ultraromantica e génio aventuroso, nem que as freiras que ainda fossem atraentes e as seculares que fossem belas pudessem ter colaborado com ele em algum escândalo conventual, como tantos houve, desde sempre, em todo este nosso país, tão fradesco e santeiro. Admitiria sem custo que o romancista fosse informado por dona Isabel Cândida quanto a episódios amorosos dos mosteiros do Porto, como a efémera Maria José, irmã mais nova de dona Ana Plácido, lhe contou a história de uma tentativa de rapto no Recolhimento de Nossa Senhora da Esperança. Mas o que eu não admitia era a possibilidade de Camilo se ter rendido aos encantos negativos de uma freira durázia e feia e de ela ter perdido a cabeça a ponto de quebrar os seus votos, quer introduzindo Camilo no convento ou saindo a ares para conviver clandestina e temporariamente com êle. E, porque não admitia a possibilidade destes factos, fiquei surpreendido quando, há alguns anos, o venerando homem de sciencia e de letras, que é o dr. Maximiano Lemos, me dava a conhecer a hipótese de ter havido mais do que quaisquer conversações de parlatorio entre Camilo e a freira dona Isabel Cândida.
Respondi que eu o não cria, porque a freira nem era bonita nem coquette, e que nunca tal coisa ouvira dizer a meu pai, que como médico assistente entrara muitas vezes no convento da Ave Maria, nem a qualquer outro velho portuense o ouvira jamais contar. Mas pedi ao dr. Maximiano Lemos que se dignasse comunicar me o que a tal respeito soubesse ou fosse descobrindo, como já tinha feito sobre certos achados camilianos que uma aturada investigação lhe facultava. Vou trasladar alguns trechos de cartas de s. exª especialmente reportados ao caso da freira dona Isabel Cândida. Ouvi dizer a pessoa que muito conviveu com o Camilo que o cónego Alves Mendes viu na camara eclesiástica um processo relativo ao encontro de Camilo dentro do convento da Ave Maria, e que esse facto se relacionava com essa freira. (Carta de 11 de Janeiro de 1917). Deve ter extranhado o meu silencio acerca da freira. O caso explica-se porque tenho tido empenho em satisfazer a nossa curiosidade, mas as minhas diligencias nenhum resultado teem dado. Na camara eclesiástica evidentemente não ha que pensar, os documentos do convento não tenho meio de lhe pôr a vista em cima por não conhecer o conservador do registo. De resto, a informação que recebi foi que o Alves Mendes tinha visto o processo na camara eclesiástica. Um colega meu é casado com uma senhora que esteve alguns dias no convento quando tinha 11 anos e disse ela ao marido que ali estava uma freira com quem se dizia que o Camilo tinha relações intimas em demasia. Não pode, porem, lembrar-se do nome dela. (Carta de 5 de Fevereiro de 1917).
Acerca desta ultima (a Freira) foi o Ricardo Jorge que me disse a informação colhida da boca do Alves Mendes. Não lhe será difícil encontra-lo em Lisboa donde me não consta que tenha saido. Quando mesmo a informação do Alves Mendes seja exacta, não vejo meio de se proceder a pesquisas na camara eclesiástica. (Carta de 17 de Março de 1917). Até hoje não pude descobrir o processo da camara eclesiástica. Em compensação encontrei o processo que lhe moveu o Novaes dos Óculos ou Novaes da Pátria. Também encontrei a coleção da Pátria em que o grande escritor, que ainda o não era, é violentamente atacado. Num dos artigos deste periódico ha referencias a uma ligação com uma freira que vivia enclausurada, o que talvez se refira a outra mulher que não a educadora da filha. (Carta de 11 de Novembro de 1917) Conquanto não digam respeito á freira do convento da Ave Maria, transcreverei desta mesma carta as seguintes palavras, que eu muito aprecio porque as ditou um autorizadissimo camilianista, sábio professor e plumitivo: se V. residisse no Porto e eu fosse a Lisboa, teriamos assuntos para cavaquear e que para mim seriam interessantíssimos, porque V. poderia valorizar o que vou encontrando. Penso que um trabalho sobre a mocidade de Camilo no Porto seria cheio de revelações pelas contradições, incoerências e hesitações do escritor. Ora isto só V. o pode fazer, pelo conhecimento do meio e pelo conhecimento do Camilo. O dr. Maximiano ainda relativamente á Freira me comunicou em carta de 1 de Dezembro daquele mesmo ano de 1917: o processo a que se referiu o Alves Mendes não existe na camara eclesiástica, onde dizia ao Ricardo Jorge que o tinha visto. Procurou se com vontade de o encontrar, mas a diligencia foi baldada. Ficamos apenas com o que escreveu o Novaes Vieira em 1856 acerca da freira enclausurada». In Alberto Pimentel, O Torturado de Seide, Camilo Castelo Branco, Livraria Manuel dos Santos, Lisboa, 1921.

Cortesia de LMSantos/JDACT