sábado, 1 de dezembro de 2012

Largada das Naus. História de Portugal (1385 – 1500). António Borges Coelho. «O rei João I convidou para governador da praça Martim Afonso Melo… “Recusou”. Apoiado pelo infante Duarte, ofereceu-se o conde Pedro Meneses, filho do conde de Viana, que fora degolado em 1384 pelo vilão Caspirre»

jdact e cortesia de wikipedia

«Os reinos não podem suportar tamanha despesa. E Ceuta, alongada de vossa terra, só por água pode ter socorro. Não haveis de ter o vento a vosso mandado, mas cuidai, que se pode seguir tal azo, que estando os navios em vossos reinos três e quatro meses, e não haverem tempo de viagem, outras vezes podem perigar no mar que é cousa comum, e que quase todos os dias acontece, ou os filharem corsários e ladrões, como vedes que fazem cada dia. Pela grandeza da cidade, precisareis de muita gente, de mantimentos, de dinheiro para os soldos e as mercês. Ireis sobrecarregar o vosso povo? Muitos abandonarão o reino para fugirem aos encargos. Quanto ao sacrifício divino não faltam igrejas na vossa terra, e quase todas em ruína. Considerai também que se mantiverdes a cidade, as mercadorias portuguesas terão muita dificuldade em atravessar o Estreito de Gibraltar.
Os da tenção contrária sustentavam que o abandono seria uma vergonha aos olhos dos estrangeiros. Então a nobreza antepõe as coisas proveitosas às honrosas? Deus não quisesse que se tal desejo e vontade alojasse nas casas dos príncipes e senhores. Para virdes matar uns poucos de mouros velhacos pouco serviço faríeis a Deus. O vosso feito mais pareceria de corsário que de rei. Em Ceuta poderão os fidalgos ociosos exercitar-se nas armas, em vez de irem para França e Inglaterra. E com esta e outra gente que anda nos vossos paços povoareis as muralhas da cidade.
Neste segundo grupo identificamos os homens da aristocracia urbana que interpelavam os da primeira opinião, em boa parte fidalgos e gente que andava nos paços régios. O rei João I convidou para governador da praça o guarda-mor Martim Afonso Melo, que com ele estivera na Batalha Real. Recusou. Apoiado pelo infante Duarte, ofereceu-se o conde Pedro Meneses, filho do conde de Viana, que fora degolado em 1384 pelo vilão Caspirre. Regressara a Portugal por altura do Tratado de Segóvia. João I confiou-lhe o governo da praça, que exerceu com coragem e inteligência. Deixou-lhe trezentos vassalos, mais trezentos do infante Duarte, que ficaram sob a liderança do conde, mais duzentos e cinquenta do infante Pedro e trezentos do infante Henrique. Os vassalos dos dois infantes tinham capitão próprio. A cidade de Lisboa deixava cem homens de armas, certamente pagos à sua custa. Ao todo ficavam em Ceuta dois mil e setecentos homens, boa parte de origem urbana, muitos deles acostados à casa do rei e dos infantes. Ficavam também alguns estrangeiros e cavaleiros portugueses que andavam nas guerras europeias, como João Pereira, homem do infante Henrique, ou Pero Gonçalves, que diziam o Malafaia.
Em Tavira, no regresso, o rei João concedeu as primeiras mercês:
  • para o infante Pedro criou o ducado de Coimbra;
  • para o infante Henrique o ducado de Viseu, a que acrescentaria o senhorio da Covilhã.
À ida e à vinda, a peste mordeu a hoste expedicionária. Mas ninguém voltava sem trazer um bocado de riqueza. As mulheres regozijavam-se com os feitos dos maridos e com os proveitos alcançados. E expedicionários houve que, na partida, deixaram os cereais guardados no celeiro e, na volta, chegaram a tempo de colher as uvas.

Quem promove a conquista
A empresa de Ceuta mobilizara um país que vivera quase trinta anos em guerra, quente e fria, contra Castela. No entanto, agora o fervor era tão grande no reino que em todos os lugares, as gentes não falavam em al, principalmente nas cidades de Lisboa e do Porto. Por toda a Ribeira de Lisboa, calafates e carpinteiros reparavam as naus e navios enquanto os tanoeiros e outros homens e mulheres preparavam os mantimentos. Em tempo calado, o ruído dos martelos era tão grande, no dizer da Crónica, que se ouvia nos lugares do Ribatejo. O Porto armou à sua custa umas setenta naus e barcas, fora outra fustalha, que não sabeis um só lugar na Hespanha de que tão poderosa armada pudera sair.
Mobilizaram--se os fidalgos de quantia de todas as comarcas. No Norte e na Beira o recrutamento coube ao infante Henrique e a seu irmão Afonso, conde de Barcelos; na Estremadura e nas comarcas do Sul, ao infante Pedro. Os combatentes do Norte reuniram-se no Porto e navegaram em armada própria para Lisboa». In António Borges Coelho, Largada das Naus, História de Portugal (1385 – 1500), Editorial Caminho, 2011, ISBN 978-972-21-2464-5.

Cortesia de Caminho/JDACT