A Vida do Cérebro
«Mas o que tem a dizer para tranquilizar o público? Nesse momento disse
para mim mesmo: “Que interessante idioma cultural! Tem de haver um fim feliz!
Tranquilizar nem sempre é algo positivo. Há circunstâncias em que agarrar
à força o público, por assim dizer, e abaná-lo de forma alarmista será melhor a
longo prazo. Mas sobre a questão do envelhecimento o público já recebeu a sua dose
terapêutica de alarme. Ouvimos constantemente falar do flagelo da demência da doença
de Alzheimer e dos sintomas da neuroerosão, a intrusão
do esquecimento e a crescente fadiga mental. Infelizmente, estes flagelos são
reais.
NOTA: Cunhei os termos neuroerosão e, por
extensão, neuroerosivo, para preencher uma certa lacuna notada. É comum
referir certas perturbações que dão origem a casos de demência como neurodegenerativas.
Mas este termo é muito restritivo e negativo. Implica um conjunto específico de
perturbações caracterizado pela atrofia neural primária. O termo cerebrovascular
ou multienfarte,
muitas vezes utilizados para referir outras perturbações específicas que
resultam eventualmente em casos de demência, também têm conotações muito
específicas e restritivas que implicam uma doença primária dos vasos sanguíneos
do cérebro. Neuroerosivo pretende ser um termo genérico que abrange todas
as possibilidades específicas e desprovido do sentido de finalidade associado
aos outros termos.
Mas é tempo de olhar para o lado positivo, desde que seja real, e não
um truque falso para tranquilizar as pessoas.
A Explicação da Sabedoria
A sabedoria é o aspecto positivo. Ao longo dos tempos, a sabedoria tem
sido associada à idade avançada nas tradições populares de todas as sociedades.
A sabedoria é uma preciosa benesse do envelhecimento. Mas, poderá a sabedoria resistir
ao assalto da neuroerosão? E por quanto tempo?
Coloca-se a questão da natureza da sabedoria.
Na nossa cultura, utilizamos a palavra com frequência e de forma reverente.
Porém, terá sido alguma vez a sabedoria cabalmente definida? E a sua
base neural compreendida? Poderá o fenómeno da sabedoria, em
princípio, ser compreendido em termos biológicos e neurológicos ou é demasiado
esquivo e multifacetado para ser abordado com algum grau de precisão
científica?
Sem reclamar qualquer particular sabedoria, acredito que posso
contribuir para uma maior compreensão pelo desenvolvimento das introspecções
anteriores que contribuem para esclarecer a natureza da sabedoria ou, pelo
menos, um dos seus aspectos importantes. O fio do raciocínio e a tese
desenvolvida fluirão a partir dessa introspecção e desse discernimento.
Com a idade, o número de tarefas cognitivas da vida real que requer um grande
e árduo esforço e a criação intencional de novas construções e ideias mentais parece
diminuir. Por sua vez, a resolução de problemas adquire progressivamente a
forma de reconhecimento de padrões. Isto significa que com a idade acumulamos
um número crescente de modelos cognitivos. Consequentemente, torna-se mais
provável que um número crescente de futuros desafios cognitivos se insira com
relativa facilidade num modelo preexistente ou exija apenas uma ligeira modificação
de um modelo mental previamente formado. A tomada de decisões assume a um ritmo
crescente a forma de um reconhecimento de padrões e não tanto de resolução de
problemas. Como demonstra a obra de Herbert Simon e de outros autores, o reconhecimento
de padrões é o mecanismo mais poderoso para uma cognição bem sucedida». In
Elkhonon Goldberg, O Paradoxo da Sabedoria, 2005, Forum da Ciência, PE-A, 2008,
ISBN 978-972-1-05857-6.
Cortesia de PE-A/JDACT