Cortesia de wikipedia
Em Pleno Azul
Com horror mal disfarçado
sincero desgosto (sim!)
lágrima azul aflita
mão crispada de piedade
vêem-me passar cantando
calamidades desastres
impossíveis de evitar
as mães,
as minhas a tua
as que estropiam ternamente os filhos
para monótono e prudente
avanço da família.
E quando paro e faço a propaganda
dos lugares mais comuns da poesia,
há um terror quase obsceno
nos seus olhos maternais.
Então prometo congressos
em pleno azul.
Prometo uma solução
em pleno azul.
Prometo não fazer nada
em pleno azul
sem consultar o ‘bureau’
em pleno azul.
Visivelmente sossegadas
é a hora de não cumprir
de recomeçar cantando
calamidades desastres
ruínas por decifrar.
Se eu não estivesse a dormir
perguntaria aos poetas…
A que horas desejam que vos acorde?
Vamos decifrar ruínas
identificar os mortos
dormir com mulheres reais
denunciar os traidores
e atraiçoar a poesia
envenenada nas palavras
que respiram ausência podre
vamos dizer sem maiúsculas
o amor a vida e a morte.
E as mães
onde estão elas?
As mães rezam as mães
cosem farrapos de dor
as mães gritam,
choram,
uivam,
no espesso rio de um sono
já quase só animal.
O Beijo
Congresso de gaivotas neste céu
como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu…)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
vai batendo como a própria vida,
um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
de duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
Poema e soneto de Alexandre O’Neill,
in ‘Poesias Completas, 1951 / 1986’
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