sexta-feira, 2 de maio de 2014

Infante Afonso Sanches. Senhor de Portalegre. «Mas apesar de não ter conseguido o seu objectivo principal, ou seja, manter intactas as recém-erguidas torre e muralha de Castelo de Vide, o infante não perdeu qualquer porção do seu senhorio…»

jdact e cortesia de wikipedia

A Herança d’O Bolonhês
«(…) As operações militares propriamente ditas devem ter tido o seu início durante a primeira quinzena de Abril, pois no dia 17 desse mês o rei encontra-se já no arraial instalado sobre Castelo de Vide. Contudo, da forma como decorreu o cerco, nada se sabe em resultado do silêncio das fontes. Terão os atacantes lançado algum assalto contra as muralhas? Existiram trocas de disparos entre sitiados e sitiadores? Terão uns e outros recorrido a engenhos de lançamento de projécteis? Chegou a ser aberta alguma mina por parte das forças de D. Dinis? Não o sabemos. Aliás, é muito possível que a hoste régia tenha, simplesmente, assentado arraiais junto de Castelo de Vide e aguardado pela sua rendição. Porém, conforme o infante esperava, o cerco talvez tenha acabado por se arrastar um pouco mais do que o rei previa, porquanto os dados de que dispomos apontam para uma duração de aproximadamente um mês, o que parece confirmar que as forças lideradas por Afonso estavam bem preparadas para resistir. Mas conseguiram fazê-lo apenas até meados de Maio, já que a capitulação terá ocorrido no dia 17 ou 18 desse mês. Parece, no entanto, evidente que não foi pela força das armas que o rei conseguiu submeter o irmão. De facto, tudo indica que a capitulação de Afonso teve lugar na sequência de diversas rondas negociais entabuladas entre ambos e para as quais pode mesmo ter havido, por parte de Pedro III de Aragão e de Sancho IV de Castela, alguma forma de pressão diplomática junto de Dinis I, no sentido de este procurar resolver o conflito de forma pacífica.
Sem que as fontes nos revelem como tal aconteceu, tudo indica que o acordo então alcançado contemplou, no imediato, a partida de Afonso para Sevilha, para junto de sua mãe e de seu avô, o rei Afonso X de Leão e Castela, com os quais se encontrava já no início de Outubro de 1281. É precisamente ali que nomeia como seus procuradores Vasco Peres Farinha e Rui Pais Bugalho, para negociarem com o rei o acordo de pazes definitivo. O acordo foi então negociado e firmado na cidade da Guarda, em 14 de Novembro de 1281, e finalmente assinado pessoalmente pelos dois irmãos desavindos, em Monforte, no dia 31 de Janeiro do ano seguinte e ratificado no dia 2 de Fevereiro, na vila de Estremoz. De entre todas as condições impostas ao infante e estipuladas no acordo destacava-se, como seria de esperar, a demolição das estruturas defensivas indevidamente erguidas em Castelo de Vide, o que deveria, conforme o compromisso assumido pelo infante em Arronches no dia 8 de Fevereiro, ser feito entre a Páscoa e o Pentecostes desse ano de 1282.
Contudo, era também no plano ideológico que Dinis I se impunha ao infante, que se via, assim, praticamente obrigado, por um lado, a aceitar que fosse o monarca a investi-lo como cavaleiro e, por outro, a ingressar na vassalidade régia, mas com a contrapartida de passar a receber uma quantia anual de 35 000 libras, em terras, panos e numerário, o que certamente contribuiu para atenuar o peso da derrota. Mas apesar de não ter conseguido o seu objectivo principal, ou seja, manter intactas as recém-erguidas torre e muralha de Castelo de Vide, o infante não perdeu qualquer porção do seu senhorio, do mesmo modo que não foi privado de qualquer uma das tenências que detinha. Ainda que claramente subalternizado e colocado numa situação de clara dependência feudo-vassálica em relação ao rei, Afonso sairia deste conflito consideravelmente mais enriquecido e, acima de tudo, com a certeza de que dispunha de meios suficientes para desafiar o seu irmão Dinis.
Tudo indica que, na sequência deste acordo, as relações entre ambos voltaram a assumir alguma normalidade e mesmo, admitimos, uma certa cordialidade, como se percebe pela presença regular de Afonso na corte, algo que se observa através da extensa lista de testemunhas e confirmantes que habitualmente encerra boa parte das cartas do monarca e onde o infante é figura habitual. Sinal de que os problemas estavam, pelo menos da parte do rei, ultrapassados, é também a circunstância de continuar à frente das tenências de Lamego e da Guarda. Mas a prova cabal de que, na perspectiva do monarca, o episódio de Castelo de Vide estava completamente sanado e não iria ensombrar as relações entre os dois irmãos é o facto de ter sido ao infante e ao alferes-mor do rei, o conde Gonçalo Garcia Sousa, que Dinis atribuiu a importante missão de ir receber D. Isabel de Aragão em Bragança, em Agosto de 1282, acompanhando-a depois no trajecto até à vila beirã de Trancoso, onde viria a realizar-se o casamento real, e onde Afonso terá também estado presente, tal como nas festividades que antecederam e que se seguiram à cerimónia». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT