Violência.
Um fresco pintado em Génova
«(…)
Dificilmente poderia ter sido de outro modo, embora, chegados a 1633, Tommaso fosse considerado um republiquista desleal, na avaliação de
um espanhol. Todavia, na década de 1610-1620, as relações da família
hispano-genovesa atravessavam uma etapa idílica. Lugares à parte, pois a banca
lígure governava boa parte das finanças católicas,
o protagonismo militar de alguns ilustres genoveses nos campos de batalha espanhóis
havia arrecadado ganhos consideráveis. Na Primavera de 1606, Ambrosio Spinola (filho de uma Grimaldi) foi recebido em
Génova como herói da tomada de Ostende, nos Países Baixos, que tivera lugar dois
anos antes. De facto, os Spinola foram os responsáveis pela decoração da casa
do cunhado de Ambrosio, com um ciclo sobre a guerra da Flandres, realizado por
Andrea Ansaldo entre 1622 e 1625. Este empreendimento pôde
bem responder aos ciúmes causados por outro esplendoroso ciclo de sete frescos
que o mesmo Tavarone realizara em 1614
em Il Paradiso, a residência de
Giacomo Saluzzo, no qual festejava a conquista de Antuérpia por Alejandro
Farnesio em 1585. Portanto, nada de
invulgar se poderia encontrar em obras que, ao mesmo tempo que exaltavam a
glória e fixavam as posições de uma oligarquia velha rival de outra nova, serviam também para simbolizar os laços
que uniam ambas àquele que fora o patrono por excelência da Itália espanhola, Fernando
Alvarez Toledo, terceiro duque de Alba, e mais ainda ao pai protector da
liberdade da república numa Europa de príncipes ambiciosos: o rei de Espanha.
Deste
modo, todas as questões realmente colocadas pelo fresco de Tavarone têm que ver
com um fenómeno bem distinto; ou seja, com uma face menos conhecida de uma
agregação política, a de Portugal em 1580,
que resultou em grande medida de negociação, mas foi também imposta, em não
menor grau, por uma conquista militar. E o que nesta portentosa pintura se
deixa contemplar remete para esta última, por mais idealizada que o seu autor a
recriasse. Uma linha diagonal imaginária divide a cena em dois planos
perante o espectador. O que fica do lado direito reúne, pela sua proximidade e
apresentação, o que há de mais relevante na obra, ao situar-nos diante
de um grupo de três belos cavalos cuja sequência cromática estabelece a hierarquia
dos seus cavaleiros: branco para o
duque de Alba, que enverga a armadura e uma capa encarnada de general; pardo para o seu acompanhante, talvez o seu
filho bastardo, Hernando, grão-prior da ordem de São João de Jerusalém, ou o próprio Francesco Grimaldi; e cor-de-canela para um terceiro cavaleiro,
apresentado em perspectiva para não retirar protagonismo, pela possível
identificação, ao grande Toledoe. A formar um eixo com Alba, um
infante apeado olha para o espectador, para atrair ainda mais a nossa atenção
para o duque. O segundo plano mostra o cenário do acontecimento militar
decisivo que teve como desfecho a incorporação de Portugal nos domínios de
Filipe II: a batalha de Alcântara. Ao fundo dividem-se, à esquerda e à
direita, as colinas de Lisboa e o estuário do Tejo, onde estão prestes a
iniciar combate as armadas inimigas de António
de Avis (ou do Crato) o opositor do Prudente, e do marquês de Santa Cruz. Mais próximo, entre este
fundo e o grupo de Alba, abre-se o campo do barranco de Alcântara, adjacente à
cidade, onde em poucas horas, depois do amanhecer de 25 de
Agosto de 1580, a vitória do duque
conseguiria arrebatar a chamada princesa,
Lisboa, para o seu rei.
Tudo
isto se passou mais ou menos assim, embora não tenha sido só isto a acontecer.
Decerto que Tavarone contava com fontes bem conhecidas para se inspirar, como a
referida obra do seu compatriota Conestaggio, além das versões que o próprio meio
dos seus patronos genoveses lhe transmitiria sobre a jornada portuguesa. De
ambas as partes, o pintor teria sabido que outros tipos de violência, como os
roubos e as pilhagens, a habitual indisciplina, acompanharam a entrada do
exército dos Áustrias em Portugal, uma força que, só nos dispositivos de infantaria,
cavalaria e aparato de artilharia, oscilou entre os 18 e os 20 mil homens». In
Rafael Valladares, A Conquista de Lisboa, 1578-1583, Violência Militar e
Comunidade Política em Portugal, Texto Editores, Alfragide, 2010, ISBN
978-972-47-4111-6.
Cortesia
de TextoEdit/JDACT