Do
Tempo das Pirâmides ao Tempo das Catedrais. Partir
à Aventura
Das
pirâmides às catedrais
«(…)
Considerar que apenas uma civilização tenha tido o privilégio de possuir a
Sabedoria conduziria a um dogmatismo esclerosante. A Sabedoria foi expressa sob
diversas formas ao longo de diversos períodos civilizacionais e em diferentes
locais. Pensemos, por exemplo, na China antiga, na Índia dos Vedas, nas
civilizações dos índios da América do Norte. Segundo os ensinamentos da
Antiguidade, a Luz está em todos os
lugares e em todos os tempos. A dificuldade, para as comunidades humanas, está
em fazê-la existir em manifestá-la. Para conseguirmos perceber melhor esta Luz
que nos é, tão necessária como a do sol, é necessário que concentremos a nossa
atenção em momentos em que ela brilha intensa e majestosamente, como durante a
Idade Média das catedrais. Esta Idade Média não é um ponto isolado na tradição
simbólica do Ocidente, encerrando em si a sua própria explicação. Vai buscar uma
das componentes fundamentais da sua inspiração às culturas da bacia
mediterrânica e, consequentemente, à civilização-mãe do pensamento simbólico
ocidental, o Egipto faraónico.
De
facto, cada vez mais há a percepção de que a Grécia e Roma, que ocupavam
totalmente a cena das humanidades,
tiveram uma influência bem menor do que se afirmava. O imenso Egipto, com os seus
quatro milénios de existência, o seu papel de centro do mundo e as suas
prodigiosas faculdades de criação, permitir-nos-ão compreender numerosos
elementos da simbólica medieval. Quando Santo Agostinho escreve: …aquilo a que agora se chama religião cristã
já existia e, entre os Antigos, jamais faltou desde as origens da raça humana,
emite um julgamento de facto extraordinário. Agostinho, dignitário
cristão muito respeitado, perfeitamente ao corrente das influências gnósticas e
esotéricas que formavam o âmago do cristianismo primitivo traído por Roma,
pretendia deste modo legitimar a nova forma religiosa que defendia. A forma
mais simples de o fazer era englobar as outas religiões, e principalmente a
egípcia, com as suas inúmeras ramificações, no cristianismo.
Mas
Agostinho mostrava também que o carácter temporal da nova religião
cristã não tinha grande importância. O essencial era o seu conteúdo. E, nesse
aspecto, a religião dos faraós fornecia um número considerável de modelos e de
arquétipos para os símbolos cristãos. Quando estudarmos o pano de fundo
simbólico da época medieval e das suas origens, veremos que a Imago mundi, a imagem do mundo, dos Mestres de Obras é, ao mesmo tempo, fiel às
tradições antigas e profundamente originais.
Luzes
do Médio Oriente e outras Fontes de Inspiração
A Idade Média, toda a Idade Média,
porque não se pode fazer neste domínio uma discriminação segundo séculos ou
meios-séculos, é dominada pela fé cristã..., ora essa fé judaico-cristã surge,
como uma herança da antiguidade, do Oriente. No entanto, embora não sendo
indígena, não tendo nascido em solo europeu, não deixa de sofrer a sua
influência.
Esta análise de Gustave Cohen, no seu livro La
Grande Clarté du Moyen Age, resume a opinião dos medievalistas que
foram obrigados a reconhecer a origem oriental,
ou, mais exactamente, médio-oriental, dos temas iconográficos e literários
presentes na civilização medieval. Se os
filósofos proferiram por acaso verdades úteis à nossa fé, não devemos temer
essas verdades, devemos mesmo arrancá-las para nosso uso aos seus ilegítimos
detentores: este pensamento militante é da autoria de Santo Agostinho. Os
Padres da Igreja, conscientes das riquezas pertencentes às comunidades
religiosas mais antigas que a cristandade, não têm qualquer intenção de as
rejeitar. Mesmo fanáticos, como Tertuliano, não deixam de referir com assombro
o quanto a sua crença deve aos Antigos: o
diabo imita até os traços principais dos nossos divinos mistério, fez com que
se aplicassem ao culto dos ídolos os próprios ritos que empregamos para adorar
a Cristo. Afirmação que se reveste, de facto, de uma descarada má-fé! Mas
que é também o reconhecimento inevitável de uma evidência: Cristo é um homem do
Médio Oriente e os seus ensinamentos foram escutados em lugares em que se
misturavam as influências dos grandes impérios da antiguidade não clássica. O
Médio Oriente é fonte de luz, mesmo para os cristãos. Os artesãos da Idade
Média ocidental nasceram no Médio Oriente». In Christian Jacq, Le Message des
Constructeurs de Cathédrales, Éditions du Rocher, 1980, A Mensagens dos
Construtores de Catedrais, Instituto Piaget, Romance e Memória, Lisboa, 1999,
ISBN 972-771-129-4.
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