As
Capacidades como Direitos Fundamentais: Sem e a Justiça Social
A
Abordagem das Capacidades e a Justiça Social
«(…)
Por não ter em conta o facto de existirem preferências adaptativas, altera também
o processo do desenvolvimento a favor do status
quo ao ser utilizado como referência
normativa. Finalmente, na medida em que sugere que o objectivo do desenvolvimento
é um estado ou uma condição das pessoas (ou seja, um estado de satisfação) desvaloriza
a importância da acção e da liberdade no processo de desenvolvimento. Todas
estas lacunas, sublinha Sen, são ainda maiores quando a teoria é confrontada
com as desigualdades que se baseiam no sexo: pois a vida das mulheres reflecte
a sua luta por muitos elementos de bem-estar, nos quais estão incluídos a
saúde, a educação, a mobilidade, a participação política, etc. As preferências
das mulheres normalmente são apresentadas de uma forma distorcida e têm frequentemente
origem em circunstâncias que à partida foram injustas. Tanto a acção como a
liberdade são objectivos que têm uma particular importância para elas já que tantas
vezes têm sido tratadas como seres dependentes e passivos. Esta linha de
pensamento encontra-se próxima quer da do feminismo que condena o Utilitarismo
como paradigma económico dominante, quer de trabalhos de activistas eruditos
para os quais a participação e a acção das mulheres são uma coisa fundamental.
Não
é uma surpresa o facto de eu apoiar estas ideias. No entanto, parece-me que
elas não nos poderão levar muito longe ao analisarmos a questão da justiça
social. Podem dar-nos uma percepção geral sobre aquilo que as sociedades se
deveriam esforçar por alcançar mas, dada a relutância de Sen em se comprometer
com a substância (que capacidades deveriam as sociedades considerar
prioritárias) até mesmo essa orientação é manifestamente reduzida. Além disso,
não nos ajudam a ter qualquer noção acerca de qual deveria ser o nível mínimo
de capacidade numa sociedade justa. A utilização das capacidades na área do
desenvolvimento, como sempre, é apenas comparativa, tal como podemos constatar
no Relatório de Desenvolvimento Humano
do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. As nações são comparadas
entre si exclusivamente no domínio da sua realização em áreas como a da saúde
ou a da educação. No entanto, relativamente à qualidade dos serviços de saúde
ou ao grau de provisão educativa, qualquer sociedade justa deveria considerar
estas áreas como um direito fundamental de todos os seus cidadãos. Uma ideia interessante
mas que raramente é mencionada.
Outra
famosa linha de pensamento que Sen desenvolveu nos textos Igualdade de Quê? e Desigualdade
Reexaminada, talvez esteja mais próxima das preocupações relacionadas
com a justiça social. Essa linha de pensamento tem por base o princípio de que o
conceito de igualdade é um valor político central. A maior parte dos estados
considera a igualdade como um valor importante, diz Sen, mas, apesar disso, os
estados não estão com frequência interessados em saber que lugar deve ela
ocupar em cada um deles de forma a poderem ser feitas as necessárias
comparações. Apresentando uma argumentação que é muito semelhante àquela que
defende quando se refere aos objectivos do desenvolvimento, Sen sustenta que é
na área das capacidades que podemos encontrar a mais prometedora e eticamente
satisfatória forma de encarar a igualdade como objectivo político. Se a importância
da igualdade for determinada em função da utilidade ou do bem-estar, ela não poderá
servir-nos de critério devido às razões que resumidamente já expus. Do mesmo
modo, também não poderá servir de critério relativamente à igualdade de
recursos, na medida em que não se considera o facto de que, caso as pessoas
tenham de atingir um nível semelhante de capacidade de funcionamento as suas
necessidades são diferentes e que as suas capacidades de conversão dos recursos
em funcionamento real não são as mesmas». In Martha C. Nussbaum, Educação e Justiça
Social, Colecção Contrapontos, Edições Pedago, Mangualde, 2014, ISBN
978-989-8655-34-9.
Cortesia
de EPedago/JDACT