Os Descobrimentos e o Tráfico de Escravos. Zonas de Resgate
«(…) No entanto, a maioria dos escravos que entrava em São Jorge da
Mina, provinha da ilha de São Tomé que desempenhava as funções de posto
intermediário do tráfico de escravos oriundo de Benim e do Congo. Só
inicialmente este tráfico se fez directamente daquela procedência para São
Jorge da Mina. Segundo Valentim Fernandes, por volta de 1506 já se concentravam em São Tomé cerca de 5 000 a 6 000 escravos
destinados à exportação, para além dos que estavam ao serviço dos colonos. A ilha
de São Tomé era um grande armazém de
escravaria no Atlântico, que funcionava não só como depósito dos que vinham da
costa de África, mas também como local de procriação. Esta grande área que
englobava a Guiné, com a região de Daomé e adjacências, teve uma importância
extraordinária no tráfico de escravos. A prová-lo estava a designação genérica de Guiné para todos os escravos
desembarcados em Portugal ou no Brasil durante o século XVI, independentemente
de pertencerem à parte superior ou inferior da linha equatorial. Igualmente nas
bulas, os pontífices referiam-se aos escravos em geral, como sendo de Guiné. Não é de admirar que fossem
classificados de Guiné, quer o trato
quer os escravos, uma vez que nesta região se centralizava todo o comércio. No
entanto, outra zona da costa ocidental africana, o reino do Congo, incluindo
a região de Angola, veio a revelar-se de extraordinária importância para
este comércio. Aí se desenvolveu o tráfico escravista, desde o início do século
XVI. Quando em 1512, Simão Silveira
foi enviado ao Manicongo, ia incumbido de explicar a Afonso do Congo que
o entendimento estabelecido entre os dois reinos levava a que as naus não
partissem dali de porões vazios, isto é, sem escravos, marfim ou cobre. Mas foi
sobretudo no último quartel de quinhentos, que se deu o grande incremento do
comércio escravista daquela região, em parte devido à guerra desencadeada pelos
holandeses e ingleses, o que obrigou a deslocação do tráfico cada vez mais para
sul. Aqui, sem concorrentes estrangeiros, os produtos eram mais baratos do que
na costa da Guiné, de onde os portugueses tinham sido expulsos pelos holandeses
e suplantados pelos ingleses. O centro do comércio passou então da costa da
Guiné para o reino banto do Congo e, após a fundação de São Paulo de
Luanda em 1575, para o reino de Angola, que mais tarde incluiria Benguela.
Segundo Abreu Brito, de 1575 a
1587, saíram da feitoria de Luanda 31 922 peças de escravatura, ou seja, em
média 2 660 por ano, e, nos quatro anos de 1587 a 1591, foram embarcadas 20
131, numa média anual de 5 032. A exportação continuou a crescer
prodigiosamente durante o primeiro quartel do século XVII e, em 1680, Cadornega calculava em 8 000 ou
l0 000 os escravos que anualmente saíam daquela região, perfazendo assim a soma
de um milhão de almas subtraídas a Angola durante os primeiros cem anos de
contacto com os europeus. Indubitavelmente, a maioria dos escravos provinha da
África ocidental, uns recolhidos nos mercados principais, outros nas zonas
secundárias de comércio; alguns vinham da África oriental, mas o tráfico
proveniente desta costa não foi relevante até ao século XIX. Como já foi
referido, o tráfico era aí conhecido desde longa data, sendo a ilha de São
Lourenço (Madagáscar) um grande depósito de negros a que árabes e
indianos recorriam na própria procura de escravos. A Abissínia era outro grande
reservatório que fornecia as regiões orientais. Os escravos abexins, na
generalidade muito estimados pelos mouros, eram feitos cativos quer pelos
árabes do litoral, quer pelos cristãos, que de seguida os vendiam aos mouros.
Inicialmente, este comércio humano da costa oriental africana
destinou-se, sobretudo, ao Oriente. Só muito mais tarde passou a fornecer
também mão-de-obra escrava às potências estrangeiras. Não significa isto,
porém, que não tivessem vindo escravos daquela região para Lisboa e, até,
ocasionalmente para o Brasil onde, de entre todos, eram os menos apreciados.
Independentemente deste facto, a extracção de escravos de Moçambique para a
América era pouco compensadora devido à morosidade da viagem. No entanto, é
possível que o poderio estrangeiro ao longo da costa ocidental africana,
principalmente a dominação holandesa em Angola, tenha ocasionado uma
intensificação da procura de escravos na contracosta. Em 1644, Gaspar Pacheco e Gonçalves Magriço solicitaram autorização à corte
para irem do Brasil a Moçambique negociar escravos. Em sua opinião, caso fossem
bem sucedidos, outros mercadores lhes seguiriam o exemplo e um novo mercado
escravista se abriria então para o Brasil. Contudo, parece que não tiveram
êxito com este intento, pois em 1709, José Seixas Borges, ao requerer idêntico
pedido, dizia não ser usual irem
embarcações resgatar àquele porto e, por esse facto, punha em dúvida o
resultado final do empreendimento». In Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao
Fundo das Consciências, A Escravatura na Época Moderna, Faculdade de Letras de
Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4.
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