O nascimento do herdeiro Carlos
«(…) Face às queixas e inquietações das gentes de Mâcon, D. Isabel admitiu
negociar uma trégua com os delegados do duque de Bourbon. Mas Filipe, o Bom, estando de volta à Borgonha a
meio de Agosto de 1434, acaba por
pôr fim a estas negociações, enfrentando em Nevers, em Fevereiro de 1435, os duques de Bourbon e de Richemont.
Durante este tempo, a duquesa continuou activa na organização dos negócios da
guerra, dirigindo a convocação dos homens de armas e o aprovisionamento das
tropas. Isabel assumia estas responsabilidades completando-as com uma grande
preocupação dispensada às relações com os diversos grupos sociais. Monique
Sommé, que estudou detalhadamente a acção da duquesa durante este período, resume-a
nestes termos: Isabel desempenhou um
papel essencial no governo da Borgonha durante o tempo que durou a pacificação do
país, com grande sentido de organização e dando provas de persuasão e de
autoridade nas suas relações com os estados, as vilas e os oficiais ducais.
Num artigo, esta historiadora relata-nos a juventude de Carlos, fazendo
uma descrição das instalações que seu pai para ele construíra e que ocupou
desde o seu nascimento, frente ao castelo.Acompanham-no a sua ama-de-leite Simone Sauvegrain e Marguerite Villers
La Faye, governanta da casa. Esta borgonhesa ficará dez anos ao seu serviço,
tendo sob as suas ordens a ama-do-berço Isabeau de Morailles, um chefe de mesa,
um criado de quarto e um escrivão. Na Primavera de 1435, os duques tomam o caminho da Flandres. Deviam organizar uma
conferência na continuação do acordo de Nevers. A duquesa viajou em liteira com
Carlos seguindo o duque Filipe, no meio das tropas e de uma centena de carros.
Estacionaram em Auxerre a 8 de Abril e em Paris a 14. Os duques instalaram-se
na residência de Artois, guarnecida de tapeçarias flamengas, onde Filipe recebeu
os notáveis, os burgueses e os mestres universitários depois de ter assistido à
missa da Páscoa em Notre Dame. Às raparigas e burguesas que tinham vindo
implorar a Isabel que interviesse a favor da paz, ela assegurou-lhes ter disso o maior desejo e que dia e noite rezava
ao senhor pelo grande bem que vejo daí resultar. Na quinta-feira
seguinte, 21 de Abril, os duques voltaram a partir em direcção a Arras.
O Tratado de Arras
Filipe, o Bom, tinha encarregado
o seu chanceler Nicolas Rolin de preparar as negociações de paz de Arras onde
os duques, beneficiando de relações especiais com os ingleses, procuravam
retirar vantagens para assegurar a protecção dos seus territórios do Norte. De
resto, eles conseguiram ser reconhecidos e participar de parte inteira, ao lado
dos delegados do rei de França e dos ingleses. Desde o princípio do mês de
Julho até Setembro de 1435, os
duques, acompanhados de Carlos, fixaram residência em Arras, porque as
negociações do tratado exigiriam muitos contactos. Era raro ver reunidos tantos
duques e condes. Esta reunião foi uma das mais importantes da época, reagrupando
delegações de numerosos reinos. Participou igualmente uma delegação portuguesa.
A duquesa tomou aí parte nas negociações com os ingleses e obteve
largas vantagens para o ducado. Ela presidiu também às recepções dadas em honra
dos seus hóspedes. Antes das negociações, Filipe, o Bom, organizou manifestações cavaleirescas, designadamente um torneio
entre os condes de Étampes, de Saint Pol e de Ligny e o conde de Suffolk. Os
ingleses foram mal recebidos e, suspeitando da ruptura da aliança por parte do
duque, não tardaram em retirar-se. Os plenipotenciários de Carlos VII estavam
prestes a ceder-lhes definitivamente a Aquitânia e a Normandia se Henrique VI
renunciasse ao título de rei de França. Em troca, exigiam de Carlos VII que se
reconhecesse seu vassalo. Sem participar directamente nas negociações, a
duquesa Isabel conduziu as entrevistas, primeiro, com um mediador nomeado pelo papa,
o cardeal Albergati e, mais tarde, com o seu tio cardeal de Beaufort, bispo de
Winchester. O cardeal inglês procurou garantir o apoio de Filipe, sem o
conseguir. Desapontados, os ingleses acusaram Filipe de traição, considerando o
seu volte-face indigno de um verdadeiro cavaleiro.
Com efeito, perante a confusão da existência de dois reis de França (o
inglês Henrique VI e Carlos VII), os borgonheses começaram a entender-se
com os franceses. O duque exigiu uma reparação pela morte de seu pai, João
Sem Medo, assassinado em Montereau, e obteve ainda Auxerre, o Auxerrois,
Bar-sur-Seine, Luxeuil, Boulogne-sur-Mer e as cidades da Somme, ao mesmo tempo
que a libertação, em vida, da vassalagem ao rei de França. O tratado de paz concluído a 21
de Agosto entre o rei de França, Carlos VII, e o duque de Borgonha foi
celebrado solenemente na Igreja de Saint-Vaast d’Arras, na ausência da duquesa,
cuja intervenção a favor da paz foi considerável. Acção que o poeta Martin
Le Franc reconhecia nestes versos:
Viva a senhora, e bendito seja
quem nos deu tal princesa!
Por ela a horrível guerra cesse
e volte o trabalho da paz».
In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal –
duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de
Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio
Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.
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