sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Um Problema Religioso. Cátaros. Um Pretexto Político. Jesus Mestre Godes. «Talvez tenha sido Raimundo d’Abadal quem, com o seu estilo seco mas directo, acabou com esta visão, por um lado típica dos grandes historiadores da nossa Renaixença (Renascença Catalã). A sua opinião é contundente»

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Lenguadoc. Século XIII
As Forças Políticas
«(…) Filipe Augusto é o primeiro rei da nova França que pode respirar com relativa tranquilidade. Por agora, os seus principais problemas continuam centrados no norte de França, e os sucessos da heresia não lhe tiram o sono. Em Maio de 1204, o papa Inocêncio III, memorável redactor de cartas, escreve-lhe uma onde lhe faz notar o terrível estado da terra occitânica e, depois de lhe expressar a pouca confiança que lhe merecem os senhores do país, pede-lhe que actue com a responsabilidade de rei de França. Filipe respondeu-lhe com evasivas e o papa voltaria à carga muitas vezes, a mais significativa delas no ano de 1207, quando nem sequer a tarefa pacificadora de Domingos de Gusmão tinha obtido resultado. A resposta será sempre a mesma: desculpas amáveis, preocupação por não poder estar ao lado do seu amantíssimo Pai, mas vontade manifesta de não entrar em cruzadas. Inclusive no momento crucial, quando se deu a morte do legado papal, Pere Castellnou, e Inocêncio, nourra carta, lhe explica todos os detalhes do assassinato, confiante de que nesta ocasião sim, responderia moralmente à petição papal de ocupar militarmente o Languedoc, Filipe II não reage. A oferta de Inocêncio III não era, contudo, frívola: Não hesites em fazer sentir ao conde de Toulouse o peso da força real, apoderando-vos das terras que ocupa.
Apesar desta sibilina oferta, o rei francês não se deixa convencer. A sua resposta tende mais a invalidar a tese principal de Inocêncio III, pondo em dúvida a condição de herege de Raimundo VI: Vós não podeis despojar Raimundo das suas possessões pela força das armas, senão depois de o ter processado e de o ter condenado por herege. O papa, desesperado, pede-lhe que ao menos envie o seu filho, o príncipe Luís. A resposta será igualmente negativa e, como recurso, consentirá aos barões do seu reino que assim o desejem responder ao apelo papal. Mais adiante, a atitude dos sucessores de Filipe Augusto será já mais clara e decidida, mais activa, aproveitando com uma pequena conquista o trabalho feito por outros, como uma deliciosa oferenda caída do céu. Esta realidade não pode fazer-nos ignorar, contudo, o facto de que, no momento em que se decide dar início à Cruzada, a atitude do rei francês estar longe da concretização do passo definitivo, de maneira franca ou nos bastidores, destinado a fazer da guerra contra os cátaros, o primeiro movimento francês de anexação do Languedoc. Filipe II já tinha dores de cabeça que lhe chegassem!
Falta-nos definir a situação da Coroa de Aragão no tempo em que se inicia a Cruzada. O dirigente dos catalães e aragoneses é Pedro I, chamado o Católico. Pedro I é uma figura muito bem estudada pela historiografia, e de quem parece sabermos tudo. Apesar disso, a sua figura é controversa, entre historiadores amigos e inimigos. Provavelmente, o interesse pela figura do rei católico é suscitado pelos acontecimentos em que se viu comprometido, e o acontecimento chave é precisamente a sua intervenção no conflito cátaro e o desastre de Muret. À partida, deve dizer-se que Pedro I é uma espécie de relâmpago na história, se bem que um relâmpago vibrante, arrojado e temerário, aimador de fembres (mulherengo), como dirá, mais tarde, o seu filho Jaime. Tudo isto rematado por uma morte, senão heróica, pelo menos digna de um cavaleiro e que, só por si, foi o passaporte para a posteridade romântica, literária e histórica. Talvez o adjectivo que melhor define o rei Pedro seja o romântico, com um salto anacrónico dificil de perdoar, mas que define em toda a sua extensão a dimensão do personagem. A auréola que o envolveu foi tão brilhante que ofuscou as suas carências, que foram, desgraçadamente, tão consistentes como os seus atributos. Talvez tenha sido Raimundo d’Abadal quem, com o seu estilo seco mas directo, acabou com esta visão, por um lado típica dos grandes historiadores da nossa Renaixença (Renascença Catalã). A sua opinião é contundente. Referindo-se ao pai de Pedro, Afonso, o Casto, diz: parece impossível que Afonso possa ter sido o pai daquele arrebatado, inconsciente e funesto Pedro o Católico». In Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema religiós, pretext politic, Cathari, Ediciones Península, 1995, ISBN 84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento, Perseguição, Extinção, Editora Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.

Cortesia de Pergaminho/JDACT