Lenguadoc. Século XIII
As Forças Políticas
«(…) Filipe Augusto é o primeiro
rei da nova França que pode respirar com relativa tranquilidade. Por agora, os
seus principais problemas continuam centrados no norte de França, e os sucessos
da heresia não lhe tiram o sono. Em Maio de 1204, o papa Inocêncio III, memorável redactor de cartas, escreve-lhe
uma onde lhe faz notar o terrível estado da terra occitânica e, depois de lhe
expressar a pouca confiança que lhe merecem os senhores do país, pede-lhe que
actue com a responsabilidade de rei de França. Filipe respondeu-lhe com
evasivas e o papa voltaria à carga muitas vezes, a mais significativa delas no
ano de 1207, quando nem sequer a tarefa pacificadora de Domingos de
Gusmão tinha obtido resultado. A resposta será sempre a mesma: desculpas
amáveis, preocupação por não poder estar ao lado do seu amantíssimo Pai, mas vontade manifesta de não entrar em cruzadas.
Inclusive no momento crucial, quando se deu a morte do legado papal, Pere
Castellnou, e Inocêncio, nourra carta, lhe explica todos os detalhes do
assassinato, confiante de que nesta ocasião sim, responderia moralmente à petição papal de ocupar militarmente o
Languedoc, Filipe II não reage. A oferta de Inocêncio III não era, contudo,
frívola: Não hesites em fazer sentir ao
conde de Toulouse o peso da força real, apoderando-vos das terras que ocupa.
Apesar desta sibilina oferta, o
rei francês não se deixa convencer. A sua resposta tende mais a invalidar a tese
principal de Inocêncio III, pondo em dúvida a condição de herege de Raimundo
VI: Vós não podeis despojar
Raimundo das suas possessões pela força das armas, senão depois de o ter
processado e de o ter condenado por herege. O
papa, desesperado, pede-lhe que ao menos envie o seu filho, o príncipe Luís. A
resposta será igualmente negativa e, como recurso, consentirá aos barões do seu
reino que assim o desejem responder ao apelo papal. Mais adiante, a atitude dos
sucessores de Filipe Augusto será já mais clara e decidida, mais activa, aproveitando
com uma pequena conquista o trabalho feito por outros, como uma deliciosa
oferenda caída do céu. Esta realidade não pode fazer-nos ignorar, contudo, o
facto de que, no momento em que se decide dar início à Cruzada, a
atitude do rei francês estar longe da concretização do passo definitivo, de
maneira franca ou nos bastidores, destinado a fazer da guerra contra os cátaros,
o primeiro movimento francês de anexação do Languedoc. Filipe II já tinha dores
de cabeça que lhe chegassem!
Falta-nos definir a situação da Coroa
de Aragão no tempo em que se inicia a Cruzada. O dirigente dos
catalães e aragoneses é Pedro I, chamado o
Católico. Pedro I é uma figura muito bem estudada pela historiografia, e de
quem parece sabermos tudo. Apesar disso, a sua figura é controversa, entre
historiadores amigos e inimigos.
Provavelmente, o interesse pela figura do rei católico é suscitado pelos acontecimentos
em que se viu comprometido, e o acontecimento chave é precisamente a sua
intervenção no conflito cátaro e o desastre de Muret. À
partida, deve dizer-se que Pedro I é uma espécie de relâmpago na história, se
bem que um relâmpago vibrante, arrojado e temerário, aimador de fembres (mulherengo),
como dirá, mais tarde, o seu filho Jaime. Tudo isto rematado por uma morte,
senão heróica, pelo menos digna de um cavaleiro e que, só por si, foi o passaporte
para a posteridade romântica, literária e histórica. Talvez o adjectivo que
melhor define o rei Pedro seja o romântico, com um salto anacrónico dificil de
perdoar, mas que define em toda a sua extensão a dimensão do personagem. A
auréola que o envolveu foi tão brilhante que ofuscou as suas carências, que
foram, desgraçadamente, tão consistentes como os seus atributos. Talvez tenha
sido Raimundo d’Abadal quem, com o seu estilo seco mas directo, acabou com esta
visão, por um lado típica dos grandes historiadores da nossa Renaixença (Renascença Catalã). A sua opinião é contundente. Referindo-se ao
pai de Pedro, Afonso, o Casto, diz: parece impossível que Afonso possa ter sido
o pai daquele arrebatado, inconsciente e funesto Pedro o Católico». In
Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema religiós, pretext politic, Cathari,
Ediciones Península, 1995, ISBN 84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento,
Perseguição, Extinção, Editora Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.
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