Os Incêndios
«Não devias empurrar fogo tão solitário
sob os umbrais de uma morada
nos carreiros que vão dar aos montes
sairás ainda em súplica
quando os incêndios ignorarem a ameaça
da tua vassoura de giestas.
A sombra uma vez avulsa
não retorna a mesma
não despertes o que não podes calar».
A Mão, o Muro, o Mundo
«A mão preferida pelo silêncio
evoca sobre o muro
um alfabeto sem vincos.
Não é mão é uma luz que sobe pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada.
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos.
A mão preferida pelo silêncio
não conhece repouso
quando atravessa a noite da enseada
é a mão trémula
pobre
assinalada pela escassez extrema dos nomes».
Poemas de José Tolentino Mendonça, in ‘Longe não sabia’