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A Ideia e os símbolos
«(…) Muito interessante
também é o busto da República ou a
sua representação de corpo inteiro, elaborados nos mais variados materiais,
umas vezes de expressão ingénua, outras de forma elaborada, bebendo profunda
inspiração em representações como A
Liberdade Guiando o Povo (1830), de Eugène Delacroix. Reproduzida
em escultura, em cartaz, em selos, na nova moeda, em pequena ou
em grande dimensão, a República é um
símbolo de uma riqueza e versatilidade quase infinitas. As alegorias à República
são diversíssimas, embora quase sempre na base de uma figura poderosa, com
túnica pendida, sandálias romanas, barrete frígio e seios normalmente
desnudados. Como uma deusa (ou a Virgem dos católicos) vai transmutando os seus
atributos em função dos objectos que carrega consigo: a palma da vitória; a balança
da justiça; as rosas da beleza; o leão da força; a espada e a lança da condução
dos exércitos; os seios desnudados da liberdade. Símbolo da coragem, da
determinação, da decisão, a República
é bem o melhor ícone da Pátria e da Nação republicana, uma espécie de
transmutação do sagrado para a sociedade profana que se pretendia erigir. Com a
degradação do regime, a República foi
adquirindo defeitos nas mãos dos caricaturistas. Figura anafada, passa a motivo
de mofa pelos erros e desilusões que acarreta: fina, esperta, impostora ou
traidora. Em cartaz ou postal, também figuras como o Zé Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro passam a ser adoptados
pela simbólica republicana. Normalmente aplaude ou desconfia, de forma
acrítica, a obra republicana. Por vezes é ele o herói, como símbolo do povo republicano que acredita piamente
na República e por ela se bate, de armas na mão, ao lado do marinheiro e do
soldado. No contexto de uma nova religião
cívica ganham especial relevo as festas
cívicas, organizadas com uma liturgia própria e que procuravam ganhar o
povo para os ideais e o regime republicanos. Realce-se entre todas elas a festa da árvore, reunindo adultos e
crianças em torno do símbolo da vida, da abundância e da prosperidade, por meio
do trabalho.
Implantação da República (1906/1910). Evolução do ideário republicano
Na sua primeira
experiência, em Portugal, o republicanismo surge sem um corpo ideológico
próprio, pois mesmo a obra de Henriques Nogueira que anuncia alguns dos
temas mais caros da futura propaganda republicana, é de nítida inspiração
socialista. Esta relação unitária com o socialismo passou, contudo, a ser posta
em causa a partir da década de 70, a que não foi alheia a experiência da Comuna em França. Data desta década uma nova
estratégia da propaganda republicana que passou a assumir características mais conservadoras,
na linha de um liberalismo democrático, mas onde ainda se albergavam
tendências diferentes, desde um republicanismo federal muito próximo do
socialismo, até aos positivistas, como Teófilo Braga que, abandonando os
ideais de reformismo social, passaram a enveredar decisivamente por uma
política de propaganda que fazia depender da mudança de regime a solução para
os diversos males que afligiam a Pátria. Esta nova estratégia passaria a congregar
o esforço das hostes republicanas num crescente contínuo que alcançaria os seus
pontos mais entusiásticos nos festejos das comemorações do centenário da morte
de Camões e nas grandes manifestações nacionalistas de repúdio pelo Ultimatum
Inglês. A inclusão do republicanismo num liberalismo de carácter democratizante
não deixa margem para dúvidas, mas em relação ao positivismo não se pode
postular que fosse esta a única corrente de pensamento a influenciar a elite
intelectual republicana, pois, apesar da nítida influência da obra de Comte
e, posteriormente, de Littré entre a maioria dos grandes vultos do
republicanismo português, não se pode negar que também existiam outras
tendências. Veja-se o exemplo de Sampaio Bruno, reconhecidamente
anti-positivista e cujo ardor republicano não deixa margens para dúvidas. O
positivismo republicano, como o positivismo português em geral, não revestiu
carácter dogmático. Adoptando uma posição mais heterodoxa, reteve da obra
comtiana a teoria dos três estados e
a crença na necessidade imperiosa do advento do estado positivo, mas ao recusar
as teses místicas do fundador não sistematizou propostas tendentes a
institucionalizar uma religião da
humanidade. O positivismo em Portugal caracterizou-se fundamentalmente pelo
seu cientismo e pela crença na evolução e no progresso.
Basílio Teles, um dos grandes ideólogos
republicanos, afirmava que todas as
energias e valores sociais figuravam no partido e, na verdade poderiam
encontrar-se defensores do republicanismo em diversos estratos sociais, desde
grandes proprietários como Henriques Nogueira e José Relvas, a
professores universitários como era o caso de José Falcão, Teófilo
Braga e Duarte Leite entre outros, ou a pequenos comerciantes e
industriais. Se analisarmos as categorias socioprofissionais dos principais
activistas republicanos encontraremos: médicos, professores, profissões liberais,
industriais, comerciantes e um número assinalável de farmacêuticos, em suma,
uma grande percentagem de profissões para cujo desempenho era necessário
possuir um curso superior, o que permite afirmar que o republicanismo
recrutaria as suas hostes entre uma elite intelectual que pensava o futuro da
Pátria na busca da regeneração capaz de inverter a situação de decadência a que
a monarquia a conduzira. No binómio decadência/regeneração surgiu e se
consolidou ao longo do século XIX o pensamento republicano tornando-se esta dicotomia
um dos principais vectores da sua cultura política. A elaboração e divulgação
da tese da dependência externa face à Grã-Bretanha tornou-se outro dos esteios
políticos do republicanismo que não se cansava de vituperar a velha aliança e a
posição da nossa aliada preferencial em diversas ocorrências, desde a
independência do Brasil ao Ultimatum.
O combate ao rotativismo
monárquico e a defesa do sufrágio universal constituíam também pontos altos da
propaganda republicana que, na década de 90, tinha abandonado as teses federativas
que perfilhara de início para adoptar um empolgado discurso nacionalista e
colonialista. Neste aspecto a República foi ainda mais longe do que a monarquia
que acusava de inércia e descuido face ao Império Ultramarino. Um outro aspecto
relevante do pensamento republicano é o seu reconhecido anticlericalismo, característica
muitas vezes associada à filiação maçónica de muitos dos membros do P.R.P.
A difusão do republicanismo
Após um amadurecimento
caldeado nas realidades políticas e sociais do país, as principais componentes
ideológicas do Partido Republicano viriam a concretizar-se no Manifesto ou Programa de 1891,
elaborado pouco antes do 31 de Janeiro, que persistiria até à
proclamação da República. O progressivo pragmatismo dos republicanos e o seu
acentuado nacionalismo contribuíam para que, para a maioria dos seus
simpatizantes, ser republicano fosse ser contra a Monarquia, contra a Igreja e os
jesuítas, e contra a corrupção política dos partidos tradicionais. O facto de o
PRP colocar acima de qualquer outra questão o derrube da Monarquia não queria
dizer que o partido não se preocupasse com a difusão dos seus ideais. Para a
propaganda das suas doutrinas foram criadas inúmeras agremiações que, por todo
o país contribuíram para a difusão do republicanismo. A estratégia de
propaganda do PRP não se limitou a esta acção divulgadora. Frequentemente o
partido organizava grandiosas manifestações populares, comícios, festas,
marchas de protesto, que, não raro, eram severamente reprimidas pelas forças da
ordem, com prisão dos mais activos dirigentes. Apesar da repressão a propaganda
republicana ia alastrando, principalmente nos centros urbanos, o que não deixava
de ser motivo de preocupação para os governos monárquicos. O percurso eleitoral
do Partido Republicano foi, desde 1878,
de difícil e fraca expressão, devido não só às características da legislação
eleitoral, como às ilegalidades que se verificavam durante as campanhas e no
decurso dos escrutínios. Como protesto pelas limitações impostas pela
legislação o PRP não concorreu às eleições de 1895 e 1897. Os
republicanos que, na maioria das vezes concorriam com candidaturas próprias, chegaram
a fazer algumas alianças, como aconteceu, em 1890, com alguns sectores monárquicos progressistas e, em 1900 e 1901,
com os socialistas, formando a denominada Concentração Democrática. De
qualquer modo, as esperanças de que o partido pudesse vir a ascender ao poder
por via eleitoral eram praticamente nulas e as tendências discordantes que se
tinham manifestado no Congresso de 1891 e que separaram os
republicanos do Norte e do Sul no movimento de 31 de Janeiro,
continuavam a dividi-los». In Maria C. Proença e Luís Farinha,
República e Republicanismo, Instituto Camões, Março 2009.
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