terça-feira, 7 de outubro de 2014

Uma Defesa da Esperança Política. O Futuro e os seus Inimigos. Daniel Innerarity. «Dado que nem as sociedades modernas nem muito menos as actuais entendem o novo como reposição do antigo mas como algo radicalmente desconhecido, como inovação, a abertura para o futuro significa inevitavelmente insegurança»

jdact e cortesia de wikipedia

Como se conhece o futuro? Uma teoria da prospectiva. Da Adivinhação ao Conhecimento
«(…) É o esquema básico de uma sociedade tradicional, que procura neutralizar o carácter aberto do futuro tentando concebê-lo como mera continuação do presente. Mas o imprevisível acaba sempre por aparecer, e é preciso um novo processo de defesa. Uma sociedade arcaica não o pode conceber senão como um destino que já estava escrito mas que simplesmente não era conhecido. É este dispositivo que se encontra por trás de todos os outros aos quais se confiava a possibilidade de descobrir os segredos do destino e de entrar em contacto com um âmbito que se prolongava para lá do presente: profecias, adivinhações, vaticínios, oráculos e visionários não eram senão fontes de conhecimento privilegiado. Para todos eles, o futuro era uma realidade preexistente, ou seja, não era futuro no sentido em que nós o entendemos, como espaço aberto à nossa liberdade. Para os antigos o futuro já existia e todo o esforço humano devia orientar-se para a aquisição da prerrogativa de adivinhá-lo, descobri-lo e contá-lo. O esforço de intervenção no futuro só podia ser entendido como a tentativa de modificar um destino preexistente. As sociedades modernas rebelam-se contra essa forma de fatalidade em duas dimensões: contra a ideia de o futuro ser uma realidade que já existe e contra a fatalidade de um destino inexorável no qual não se pode intervir. A modernidade é uma reivindicação do futuro como tal, isto é, como humanamente configurável, aberto e indeterminado, como um âmbito de potencialidade, um espaço vazio que espera ser colonizado, desenhado e configurado pelos nossos desejos. A exploração do futuro não é feita para descrever um destino inexorável, mas para alcançar qualquer coisa. O futuro é uma especulação sobre o possível e não o conhecimento do que necessariamente irá acontecer.
É deste espírito que surge a moderna indagação acerca do futuro nas suas diversas formas, da prospectiva às predições científicas, à previsão económica ou à planificação política. Em nenhum dos casos se procura adivinhá-lo ou prescrevê-lo, mas sim dar-lhe um porvir: construir uma representação do futuro desejável a partir da observação dos futuros possíveis. O futuro aberto é, como o espaço, um âmbito sujeito a projecto, planificação, gestão e regulação. Há especialistas nisso: não como os visionários tradicionais, que prediziam o que ia acontecer, mas peritos na observação do presente para a produção do futuro desejado. A partir de então as coisas tornaram-se mais complexas. O mundo moderno foi um mundo de partes e todos que actuavam ao longo de cadeias lineares de causas e efeitos numa atmosfera de simplicidade mecanicista. Nesta visão do mundo, a prospectiva era uma metáfora poderosa para a antevisão não só da realidade física mas também dos processos sociais e organizativos. Hoje não entendemos o futuro como uma evolução necessária mas como uma complexa cadeia de acontecimentos de vária significação que só podemos antever por meio de indagações sobre o verosímil e o possível. Necessitamos de entender os dilemas provenientes da nossa enorme capacidade de condicionar o futuro, uma capacidade que não vem acompanhada pela correspondente habilitação quando queremos conhecer o que de tudo isso pode resultar. Ao contrário do esquema clássico que estava na base do espírito planificador, o nosso conhecimento alcança menos do que a nossa acção.
Dado que nem as sociedades modernas nem muito menos as actuais entendem o novo como reposição do antigo mas como algo radicalmente desconhecido, como inovação, a abertura para o futuro significa inevitavelmente insegurança. O futuro não seria futuro se soubéssemos o que ele nos viria trazer. Por isso ele se converteu para nós num campo de projecção de esperanças e medos de todos os tipos, no verdadeiro cenário de batalha. É por este motivo que o campo do social está povoado de referências ao futuro, positivas como a esperança ou negativas como o medo, que não são fáceis de gerir e nas quais se revela a estrutura básica da nossa estrutura projectiva». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT