quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O Tecido Urbano Flaviense. De Aquæ Flaviæ a Chaves Medieval. João Manuel Ribeiro. «Para o estudo da cidade romana de “Aquae Flaviae”, definimos como objectivos específicos: reavaliar a localização dos eixos estruturantes da cidade (‘Kardus e decumanus maximus’) e as ruas secundárias, bem como a localização do ‘forum’»

Cortesia de wikipedia

Resenha historiográfica de Chaves
«(…) Com efeito, esta década marca, na historiografia flaviense, o incremento do leque de temas a desenvolver e o estabelecimento de novas posturas epistemológicas associadas às origens do traçado urbanístico de Chaves. Em 1990, Firmino Aires, colaborador de Rodríguez Colmenero nas intervenções arqueológicas levadas a cabo na década de 80, publica um compêndio dos topónimos da cidade de Chaves, intitulado Toponímia Flaviense, que corresponde, mais do que à adscrição de ruas a determinados períodos históricos, a um enunciado das histórias e lendas associadas a cada um dos eixos viários da cidade. Ainda no mesmo ano, destacam-se as obras de Nuno Pinto Dias, intituladas As cidades de fronteira de Portugal com a Galiza e Chaves medieval: séculos XIII e XIV, profusamente imbuídas na corrente de alguns historiadores portugueses que preconizava um ermamento inerente ao processo de Reconquista, encetado por Afonso I. Determinava-se, deste modo, a criação de uma nova corrente de investigação em defesa da génese medieval de Chaves, por oposição à tese filo-romana, presidida por António Montalvão. Nuno Dias defende a fundação e povoamento da cidade por iniciativa régia, na segunda metade do século XIII, no reinado de Afonso III.
O processo de Reconquista constitui, igualmente, um ponto central na obra de Mário Jorge Barroca (1990-91), intitulada Do Castelo da Reconquista ao Castelo Românico (séc. IX a XII), tema que o mesmo autor retoma, em 2004, num artigo publicado também na Revista Portugália, desta feita intitulado Fortificações e Povoamento no Norte de Portugal (Séc. IX a XI). Em 1993, Paulo Amaral defende a sua tese de mestrado, subordinada ao tema O Povoamento Romano no Vale Superior do Tâmega - Permanência e mutações na Humanização de uma Paisagem. Esta obra constitui o resultado de continuadas investigações sobre a cidade romana e o mundo rural adjacente, contribuindo de forma significativa para o avanço nos conhecimentos sobre a evolução urbana da cidade de Aquae Flaviae. Dela fazem parte, igualmente, um importante e avolumado compêndio onde constam as evidências arqueológicas descobertas ou recolhidas até à data da sua publicação, bem como dos habitats romanos identificados nas proximidades de Aquae Flaviae.
No mesmo ano, Paulo Gomes apresenta a sua tese de mestrado, intitulada Arqueologia das Vilas Urbanas de Trás-os-Montes e do Alto Douro. A reorganização do povoamento e dos territórios na Baixa Idade Média (séculos XII-XV), numa linha de investigação claramente filiada nas obras de Nuno Dias. No entanto, as asserções de Paulo Gomes, a propósito da cidade medieval, parecem denunciar uma postura mais tolerante em relação à génese do traçado urbano da cidade e à sua extensa ocupação anterior ao século XIII. Em 1994, Rafael Alfenim, num artigo dedicado à A Barragem de Aquae Flaviae, analisa o sítio arqueológico do lugar de Abobeleira e aventa alternativas às funções tradicionalmente propostas para esta estrutura hidráulica. Em 1996, Ricardo Teixeira defende a sua tese de mestrado, intitulada De Aquae Flaviae a Chaves. Povoamento e organização do território entre a Antiguidade e a Idade Média, uma obra notoriamente análoga à de Paulo Amaral, muito embora referente a um período cronológico diferente. O início do século XXI constitui um ponto de viragem nas investigações sobre a evolução urbana da cidade, graças, sobretudo, ao aumento do número de intervenções arqueológicas realizadas, quer por organismos privados, quer pelo Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal, que se constitui como o principal responsável pela gestão e salvaguarda do património arqueológico. Estas intervenções têm permitido, por sua vez, engrossar o volume das publicações, sob a forma de relatórios ou artigos, contribuindo, igualmente, para introduzir novas interpretações acerca das sucessivas ocupações que a cidade foi alvo.
Assiste-se, ainda, a publicações que reflectem sobre as considerações tecidas ao longo das décadas anteriores, tais como as revisões dos relatórios da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, actualmente disponíveis num sitio dedicado a esta instituição, já extinta. Em 2008, Ricardo Teixeira retoma o tema do Povoamento e organização do território nas regiões de Chaves, Vila Real e Lamego (Séc. IX – XIV), no III Congresso de Arqueologia de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior, enquanto Paulo Gomes publica um estudo sobre a evolução urbana da cidade, intitulado Chaves e as suas Fortificações. Estudo histórico, arqueológico e evolução Urbana e Arquitectónica. Para além da evolução do sistema defensivo medieval e moderno de Chaves, o autor analisa as consequências provocadas na malha urbana pelas sucessivas alterações das referidas estruturas defensivas.

Objectivos
O estudo da evolução urbana da cidade de Chaves, desde a sua fundação romana até aos nossos dias, constitui um tema extremamente aliciante, não só pelo seu carácter inovador, mas também, pelo enorme desafio que representa. Contudo, dado o elevado volume de dados que um estudo desta natureza implica e os limites de tempo que possuímos, centrar-nos-emos num período cronológico mais restrito, designadamente, na análise da paisagem urbana flaviense nos períodos romano e medieval. Assim, pretendemos com este trabalho dar início a um estudo que tem por finalidade reconstituir a forma urbana que caracterizou a cidade no período de ocupação romana e medieval, bem como perceber as transformações que ocorreram entre estes dois momentos, através da implantação de uma nova metodologia com provas dadas em outras cidades históricas, como o caso de Braga. Para a concretização do objectivo geral deste trabalho, contribuíram um conjunto de objectivos específicos que permitiram traçar a evolução morfológica entre a época romana e a época medieval, bem como aferir a continuidade ou descontinuidade urbanística existente entre os diferentes momentos de ocupação da cidade. Para o estudo da cidade romana de Aquae Flaviae, definimos como objectivos específicos: reavaliar a localização dos eixos estruturantes da cidade (Kardus e decumanus maximus) e as ruas secundárias, bem como a localização do forum; propor uma malha teórica segundo a qual a cidade se organizaria, designadamente a dimensão e a localização de algumas insulae, bem como a orientação da cidade romana nos períodos alto e baixo-imperiais e por fim analisar a localização e funcionalidade de alguns edifícios». In João Manuel Gonçalves Ribeiro, O Tecido Urbano Flaviense, de Aquæ Flaviæ a Chaves Medieval, Universidade do Minho, Mestrado em Arqueologia, Instituto de Ciências Sociais, 2010.

Cortesia da UMinho/JDACT