Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
«(…) Como naqueles tempos nenhum a igreja estava completa sem as necessárias
relíquias, Sancha conseguiu em 1063
que o marido enviasse uma comitiva a Sevilha para que ali fossem buscar os
restos de Santa Justa. Fernando fez essa encomenda aos bispos de Leão e de
Astorga, assim como ao conde Muño Muñiz, importante personagem da corte, que
uma hipótese considera pertencente à linhagem de Jimena Muñiz, mãe de D. Teresa.
Os restos de Santa Justa não foram encontrados. Conta-se que o próprio rei
mouro de Sevilha os tinha ocultado, pois não queria desprender-se de um recurso
que atraía às igrejas moçárabes da cidade muitos peregrinos católicos de outras
partes da Península, pelo que os embaixadores leoneses acabariam por trazer as
relíquias de um irmão da mártir, Santo Isidoro de Sevilha, o famoso
autor das Etimologias, uma espécie de Enciclopédia
Universal na qual esse culto bispo de estirpe goda do século VII tinha
escrito sobre tudo o que de divino e humano se conhecia na época.
Aproveitando os festejos pela chegada dos restos de Santo Isidoro,
Fernando convocou uma reunião da cúria régia onde dispôs a divisão do reino
entre os seus filhos. Como queria evitar futuros problemas, o rei decidiu que,
por sua morte, o seu filho mais velho, Sancho, herdasse o reino de Castela, e
Afonso, o seu favorito, Leão. Ao mais novo, Garcia, entregaria a Galiza, que
naquela altura compreendia essa região espanhola e parte do actual Portugal até
ao Douro. As infantas Urraca e Elvira receberiam todo o infantado, que incluía
a cidade de Zamora. O rei seguiu a prática de repartir os diferentes reinos
pelos filhos, à maneira navarra. Em 1035,
o mesmo tinha feito o seu pai ao entregar certos territórios a leste de Navarra
a um filho que tinha tido antes de casar. Fora essa a origem do reino de
Aragão. Esta divisão será considerada um importante precedente na altura de
analisar as características da entrega a D. Teresa dos territórios portugueses
por parte do pai.
Para se afastar de um clima que pressentia carregado de incerteza, pois
os seus rebentos não estavam de acordo com aquela repartição, uma vez concluída
a cúria, Fernando dispôs em 1064 a
organização das tropas para se dirigir à conquista de Coimbra. Segundo uma
crónica do século XIII, depois de seis meses de assédio à sua fortaleza pensou
desistir por carência de víveres, mas uns monges do mosteiro de Lorvão, às
escondidas dos ocupantes, forneceram às tropas de Fernando trigo, cevada e
legumes que armazenavam no convento, o que permitiu que o reanimado exército pudesse
tomar a cidade. Como resultado dessa campanha, o reino leonês viu-se
enriquecido com um largo corredor paralelo ao Atlântico, que ia do Douro ao
Mondego.
O rei colocaria todo esse território sob o comando de Sisnando Davides,
um moçárabe originário de Tentúgal que tinha sido conduzido a Sevilha depois de
os muçulmanos terem atacado a sua cidade. Cortesão multifacetado, a sua
competência tinha-o tornado a mão direita do rei mouro, até, partir para Leão
acompanhando a trasladação dos restos de Santo Isidoro. A partir da conquista
de Fernando I em 1064, Sisnando
começaria a figurar nos documentos como dux
de Coimbra». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio
de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN
978-989-626-119-1.
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